Primeiro,
o governo roubou-me a pensão.
Depois carregou-me
de impostos,
invadiu-me
a carteira.
veio o
banco e levou o resto, até o último tostão
Tenho
ordem de despejo, sem água para a banheira
Sem gás
para a chaleira, sem luz para a televisão
sem
dinheiro para um desejo.
Agora invadem-me
a casa; ainda tenho que pagar
as dívidas
do que sobrar.
Levem
tudo. Mas deixem-me em paz. De vez.
Levem os
móveis, os candeeiros,
Levem a
cama e o colchão.
Levem livros,
dicionários
molduras e
retratos, estantes e armários,
levem
também os sanitários.
Levem o
gira-discos e o rádio;
já agora
a televisão.
Levem a
mesa e as cadeiras, sofá.
pratos e travessas;
os talheres.
Levem a
gaiola e o periquito.
Levem a
despensa e o frigorífico;
e já
agora o fogão.
Levem a
roupa que lhes servir, as toalhas do bidé
Levem lençóis,
mantas, cobertores
arranquem
a alcatifa mais a porta de entrada
que não é
precisa para nada.
E o banco
em que me sento a ver a devastação
Levem
tudo que quiserem. Já me levaram a alma.
Só não me
levem o cão!
Está
velho como eu. Nem sei como ainda não morreu.
Cheira
mal da boca e tem o pelo a cair.
Coxeia da
pata esquerda e passa o tempo a ganir.
Mas é
melhor que todos vocês.
Fosse ele
novo e eu também
aqui não entrava
ninguém
Muito menos
ladrão.
Só não me
levem o cão…
Ou levem–me
a mim também
Antes que
mate alguém…