12 de setembro de 2016

PORQUE FUI BAPTIZADO OITO DIAS ANTES DE ME CASAR COM A MOÇA MAIS BONITA DA TERRA...

POUCO PASSAVA DAS ONZE HORAS, o enorme portão verde no extremo do muro alto que rodeava a ala norte do Convento abriu-se e em formatura, os cadetes começaram a aparecer numa onda de fardas verdes e boinas castanhas e botas reluzentes da graxa.(em frente à porta do posto do oficial de dia, ouviam-se as vozes dos comandos de pelotão, OLHÁÁÁÁÁÁR DIREITÁÁÁÁÁ!!!! e o ruído de trinta e tal botas baterem no chão, marcarem o momento da continência à bandeira, menos vezes parecendo uma só, na maioria dos casos, talvez semelhante a trovoada ) ansiando pelo momento em que a mesma voz de comando proferiria a última ordem da manhã: DESTROOOOOOOÇAR!!!)
Meia corrida ou meia pressa, de fardas, de malas e de sacos em direcção aos carros que no espaço fronteiro com os familiares ou simplesmente à espera que os donos chegassem e em demanda do destino de cada um, fossem desaparecendo na estrada pelas curvas que ligavam à Malveira. Viagem longa, nesse sábado, quase trezentos quilómetros e cinco horas. Pela Estrada Nacional 1 circulava-se com a paciência dos sobreviventes, quilómetros e quilómetros, atrás de enormes camionetas
( mais vale perder um minuto na vida que a vida num minuto, dizia o enorme placard à saída de Lisboa quando a auto estrada do Norte acabava 25 quilómetros depois, a chegar ao Carregado)
que dançavam na frente dos pára-brisas como filmes filmes de suspense ou de terror. Sever do Vouga surgia a meio da tarde, depois de ultrapassadas as curvas finais da estrada do rio, quinta do Sobral, cumprimentar os futuros sogros, aquele beijo "na moça mais linda da terra" e a seguir, família á espera
( ai filho, estás mais magrinho! era a minha avó que já não me via há três meses; não queres comer nada? tenho aqui bolo inglês acabadinho de fazer, era minha tia que o sabia como meu bolo preferido; era a minha mãe que já só pensava no meu casamento daí a oito dias e era o meu pai com aquele seu ar terrivelmente calmo a dar-me o abraço com aquela suave palmada nas costas de quando está tudo bem e sinto-me feliz por te ter aqui...)
tempo dos beijos, dos abraços, de abrir o saco com as cuecas, as peúgas, as fardas sujas de lama, cheirar a suor verde e a tudo, tomar um bom banho, vestir o fato azul escuro, camisa branca e gravata pérola adequadas à cerimónia e, depois da missa das sete a que não fui, então sim: o meu baptismo!(padre, era homem baixo e barrigudo, bom garfo, que nunca faltaria àquele casamento, sorridente, amável e à frente do seu tempo
- tivesse ele ido a Papa e seria ele certamente o primeiro Francisco -
foi de condescendência sem paralelo.
Não era uma conversão mas a exigência da Igreja: sem aquele sacramento, não poderia haver casamento. De maneira que, depois da missa das sete, baptizado discreto, sem pompa nem circunstância com meu sogro de vela na mão trémula de conter o riso pela dificuldade do sacerdote, em bicos de pés à minha frente, no ritual com os sagrados óleos, a água benta e a esquecer-se do meu nome: "Uma assim é que nunca me tinha acontecido! Haja Deus que é Pai e misericordioso", dizia o sorriso malicioso do padre.
PASSARAM ENTRETANTO 46 ANOS que fui baptizado para me poder casar com a "moça mais bonita da terra". 
Éramos jovens e queríamos esse amor consagrado.  
Outros tempos e projectos; uma guerra colonial que ameaçava cortar anos de juventude e tantas vezes, levar também a vida. Éramos jovens com pressa de viver! Como muitos, desde sempre e hoje também.
Nem melhor nem pior, apenas de uma maneira diferente!