O seu mundo particular tinha-o construído, momento a momento,
sempre que os outros órgãos sãos lhe permitiam associar
todas as sensações da sua retina branca.
Uma voz conhecida, outra desconhecida, a música que gostava de ouvir,
o canário que cantava tanto na gaiola da sala,
um simples ruído que se habituara a sentir,
sons tão diferentes que relacionava com objecto ou acção.
Quando os seus dedos tacteavam corpos e rostos,
num tremular de ansiosa adivinhação
ou abraçava objectos para lhes descobrir as formas e as texturas.
Mas também tudo o que lhe descreviam e
armazenava num imaginário de cores e formas.
A praia de areia dourada sob o intensamente amarelo do Sol,
o céu azul a reflectir ondas brancas de espuma, nuvens revoltas,
as árvores de copas verdes e a relva macia a atapetar o chão
e, nas noites estreladas num mar de cintilações
iluminadas pelo néon da Lua com os desenhos das sombras
Todas as coisas que se esforçava por captar
num esforço que os seus olhos nunca poderiam ser.
Num fim de tarde, em que dava o seu habitual passeio com o pai,
pela muralha que ladeava o porto de pesca
e ia descrevendo tudo o que não podia ver,
o pai nunca deixava de ficar fascinado
ao confrontar o filho com o seu mundo interior, imaginado.
Foi então que, a dada altura, ao sentir a amena brisa
que àquela hora sempre se levantava,
ele estacou, de repente e perguntou:
- Pai, diz-me. Que cor tem este vento?