28 de novembro de 2019

DESENCONTROS

NÃO SEI QUE INCERTEZA NO ROSTO
que indisfarçável nuvem no olhar
que timidez escusa no gesto da mão
que tremura na linha fina dos lábios
que embargo no silêncio das palavras
Foi sempre assim, nos nossos encontros
parecia haver uma inevitável despedida.
Nunca estivemos aqui os dois.
Paradoxalmente, não paro de te encontrar
e de reviver momentos passados.
como se alguma vez tivéssemos estado
neste cais de moliceiros a desaguarem turistas
nesta esplanada azul de mesas enfeitadas com gelados
nesta ponte que atravessa o canal,em frente à Capitania
neste largo de palmeiras e floreiras onde o Sol se afoga
ao longe, em cada fim de tarde, no meio do sal.
Não é nostalgia!
É uma espécie de transgressão, inviolável paixão
sempre adiada..

23 de novembro de 2019

UM CHÁ DE MÁGOAS

A minha mão magoada,
de tanta mágoa, já nada sente;
nem a tua pele macia e quente
nem as linhas do teu rosto, na ponta do dedo
nem a textura dos teus lábios, brilhando
nem pousa nas tuas ancas, gingando.
nem o teu seio, em tremura quase medo
de tanta saudade, já nada sente
nem fogo, nem frio, nem dor
a minha mão angustiada, dormente
gélida, jaz, incapaz de sentir amor.

A minha mão esfarrapada,
envelheceu tanto!
Resta um chá de mágoas, de pranto!

APENAS UM INSTANTE

Apenas um instante,
uma coisa de nada
um piscar de olhos
do tempo, uma fisgada,
afagar-te os cabelos,
ler-te os olhos,
tocar-te os lábios,
sentir-te o respirar.
ouvir a tua voz,
aquele teu suspirar,
apertar-te nos braços
segurar-te pela mão,
abrir-te o peito,
um beijo no coração.

Apenas um instante,
foi aquilo que senti
dizer-te,
que foi bom voltar a ver-te,
que nunca te esqueci!

14 de novembro de 2019

AO CAIR DO PANO

Às vezes só nos lembramos de certas coisas, mais tarde.

Passam dezenas de anos como se atravessássemos um quarto escuro 
e, de repente, acende-se uma luz.
E é como se estivéssemos a ver tudo, naquele momento.
Como se, realmente, estivesse a acontecer.
E, à medida que vamos avançando na idade 
e o que ficou para trás (no caminho) se vai tornando imenso, 
mais vezes essa visita do passado se recria em nós.
Somos assim.
Por isso, não adiantará a partir de certa altura, 
insistir para que se viva (apenas) o dia, o presente, o agora 
tentando à viva força afastar o passado do nosso caminho.
Não! Porque esse passado imenso virá, através de décadas, 
acender a luz no nosso presente.
É (também).disso que é feita a experiência de vida.

9 de novembro de 2019

AOS TEUS OLHOS.


Talvez tivesses sido sempre adolescência
Talvez tivesses vivido nessa ausência
sem te deixarem que fosses quietude
Talvez tivesses sido apenas aparência
sem te deixarem que fosses virtude
Talvez tivesses sido sempre ardor
Talvez tivesses sido sempre dor
sem te deixarem que fosses liberdade
Talvez tivesses sido sempre amor
sem te deixarem que fosses de verdade
Mas, aos teus olhos cor de mel e d' esperança
nunca puderam tirar o sorriso de criança
.
(MJS, memória descritiva, retratos)
Cinquentenário da sua morte, Agosto de 2012)

7 de novembro de 2019

ABANDONEI O SONO

Abandonei o sono na almofada

o beijo que demorei, um instante,
nos teus lábios ainda adormecidos
no teu rosto a saber a madrugada
olhar-te nos tempos já esquecidos
a saudade de uma nova alvorada


Pelo ar um cheiro a terra molhada
e um Sol mais perto e tão distante
sem calor nos raios amaralecidos
pelo chão, tanta folha magoada
que o vento trouxe de ramos perdidos
de árvores nuas em noite naufragada

Aqui começa mais um amanhecer
que a vida faz-se, dia a dia, acontecer.

6 de novembro de 2019

AINDA ANTES DO JANTAR

O homem veio devagar, detrás da coluna onde se encosta a máquina multibanco da praça da alimentação. Permaneceu de pé, numa indecisão pelo lugar. Havia muito poucas mesas por ocupar.
Reparei nos braços pendentes, ao longo do casaco já gasto pelo uso, a camisa de padrão incerto e as calças de um azul encardido deixavam de fora uns sapatos castanhos de onde tinham desaparecido os atacadores.
O olhar triste e vago, a face mais marcada pela barba de trato descuidado realçavam o seu ar cinzento.
Havia três mesas alinhadas, uma delas tinha tabuleiros com restos abandonados à espera da senhora do carrinho que os viesse recolher. A senhora gorda e o rapazinho de óculos de aros grossos que a tinham ocupado ainda iam ao fundo perto da escada rolante.
O homem sentou-se na mesa do meio. A dos tabuleiros como se fossem o seu jantar. Adivinhei-lhe a intenção embora sem querer acreditar na inevitabilidade do que ia acontecer..
Entretanto a atenção foi-me desviada pois a fila onde estava à espera de poder servir-me, avançou tinha chegado a minha vez.
Uns três minutos depois, já de tabuleiro na mão, num gesto instintivo, virei-me e olhei para o local das três mesas junto à coluna. Afinal, havia duas mesas vazias.
Ele já lá não estava e os pratos estavam vazios. A senhora do carrinho da recolha de restos chegava. Quando comecei a andar de tabuleiro nas mãos, vi-o passar por mim. Mantinha o olhar baixo talvez menos cinzento do que quando o vi chegar.
Mas imensamente triste...

1 de novembro de 2019

TEMPESTADES

Em noite de tempestade
quem ouve canções?
para quê raios, clarões
se tudo é electricidade...
as estrelas em agonia
uma súbita ventania
e, de repente claridade
sem lua no céu imenso
um pesadelo mais intenso
uma última eternidade..