31 de julho de 2022

A VIDA É MAIS CURTA QUE PEQUENA

 

A minha doença tem-me proporcionado momentos de meditação e algumas ideias que, não sendo de maneira nenhuma novas na minha maneira de ver o mundo, aparecem-me nesta circunstância mais precária, de uma importância clara e irrefutável.
Porque, na verdade, a vida é mais curta do que pequena.
Por isso é preciso saber esticá-la mais do que engrandecê-la.
Resistir. Ganhar tempo ao tempo. Coragem para seguir em frente.
Existe quem se preocupe só com dinheiro, carreira, património e deixa o mais importante de lado. E o que é importante?
Por exemplo?
Por exemplo: A amizade, a fraternidade, a solidariedade, a lealdade, a integridade, a liberdade.
Ter dinheiro pode ser importante? Sim!. Sem ele, temos problemas. Mas, em si, só o dinheiro nada resolve.
De quanto precisamos na realidade para nos sentirmos seguros e felizes? Depende da ambição de cada um. Não existe nenhuma medida. Mas a ambição desmedida, a ganância, a vertigem do poder que o dinheiro concede, nunca traz bons sinais.
Emprego é muito importante e carreira também.
Mas ter um emprego, por si só, pode não ser o caminho para a felicidade se não se gostar do que se faz. E, se não se gostar do que se faz também não se faz nunca carreira, em nada.
Património pode ser muito bom pois dá-nos aquele sentimento de posse, de ter. Se não soubermos geri-lo pode tornar-se pesadelo.
Se só pensarmos nele enquanto fonte de poder e abastança, pode tornar-se arrogância.
Mas, se pensarmos em repartir amizade, fraternidade, humildade, solidariedade. Se formos leais, íntegros e livres, isso não tem preço.
Repartir esperança e coragem é repartir vida!
Uma escada é um utensílio para ajudar a chegar a um lugar mais alto. Ninguém quer uma escada para ficar no mesmo sítio a olhar para cima. Subirmos, degrau a degrau, em segurança só pode ser o único caminho. Coragem e bom senso, não por um pé em falso, sentir bem cada degrau. E, no topo, a missão pode ficar cumprida ou não, pois na escada da vida nunca se sabe quantos degraus vamos ter ainda que subir.
Mas subir, subir sempre, degrau a degrau, é o mais importante.
E, sobretudo, nunca esmorecer na subida!
Ficar parado num degrau ou voltar a descer é desistir.. isso é o pior que nos pode acontecer…
Por isso, resistir, ganhar tempo ao tempo, ter coragem para seguir em frente ajuda-nos a ultrapassar os momentos menos bons da vida e, sobretudo, nessa nossa força de vontade estamos a repartir esperança a quem nos rodeia. E isso, também é muito importante

28 de julho de 2022

CONSELHOS PÓS MODERNOS

 

Dizem:
Todos os dias se deve comer uma maçã por causa do ferro. E uma banana pelo potássio. E uma laranja pela vitamina C. E beber uma chávena de chá verde sem açúcar para prevenir a diabetes.
Todos os dias deve se beber pelo menos dois litros de água.
E uriná-los para dar trabalho aos rins.
Todos os dias deve tomar uma Aspirina 100, pois previne enfarte.
Uma taça de vinho tinto também dizem que previne não sei o quê.
Se for de vinho branco estabiliza o sistema nervoso.
Um copo de cerveja, faz bem aos rins.
E uriná-lo, já agora.
O benefício adicional é que se se tomar tudo isto ao mesmo tempo e se tiver um derrame, nem se vai perceber.
Todos os dias se deve comer fibra.
Muita, muitíssima fibra. Fibra suficiente para fazer um “pull over”.
Deve fazer entre quatro a seis refeições leves diariamente. E nunca esquecer de mastigar pelo menos cem vezes cada garfada. Só para comer, serão cerca de quatro a cinco horas...
E não esquecer de lavar os dentes depois de comer.
Ou seja, tem que se lavar os dentes depois da maçã, da banana, da laranja, das seis refeições e enquanto se tiver dentes. Quando os dentes acabarem, massajam-se as gengivas, lava-se a língua e bochecha-se!
Dormir oito horas e trabalhar outras oito por dia, mais as quatro comendo são vinte. Sobram quatro, desde que não haja muito trânsito nas idas para o trabalho e no regresso a casa
As estatísticas comprovam que assistimos três horas de TV por dia.
Todos os dias devemos caminhar pelo menos meia hora.
Deve cuidar-se das amizades, porque são como uma planta: devem ser regadas diariamente, o que me faz sugerir que se deve cuidar delas quando se estiver no meio do transito. Nesse momento elas também devem estar e por isso motivos para conversa não devem faltar.
Deve-se estar bem informado também, lendo dois ou três jornais por dia para comparar as informações.
Ah! E o sexo! Todos os dias, tomando o cuidado de não se cair na rotina. Há que ser criativo, inovador para renovar a sedução. Isso leva tempo - e nem estou a falar do sexo tântrico.
É preciso sobrar tempo para varrer, passar, lavar roupa, loiça
e se tiver um bichinho de estimação.
Já são 29 horas por dia.
A única solução que me ocorre é fazer várias dessas coisas ao mesmo tempo! Por exemplo, tomar banho com a boca aberta, assim toma-se banho e lava-se os dentes.
Agora tenho que ir ao quarto de banho..
E já que vou, levo os três jornais da praxe. da maneira como andam as notícias nem preciso de papel higiénico...

20 de julho de 2022

MOMENTOS

 

A vida, tem momentos, em que é necessário excluir pessoas,

apagarmos lembranças, deitarmos fora o que nos magoa,

abandonarmos o que nos faz mal,

libertarmo-nos de coisas que nos prendem.

Olhar em frente e ver tantas caminhos novos para escolher,

ao contrário de insistirmos sempre no mesmo erro e na mesma dor.

Aprendamos a gostar de nós, a cuidar de nós,

e principalmente a gostar de quem também gosta de nós!

Não desistamos nunca e saibamos valorizar quem nos respeita,

esses sim merecem o nosso respeito.

Quanto ao resto, bom... ninguém nunca precisou de restos para ser feliz.

Cuidemos apenas daquilo que for verdadeiro... o que não for, deixemos passar.

 

UM DESEJO - para todos e para mim também!

 

Um girassol sempre à janela

O dia a iluminar monte

O Sol a dourar a vida
Água fresca na fonte
Um dia sem maus humores
Almoço pronto na panela
Rir como uma criança
Boas memórias dos tempos idos
Olhar com olhos de esperança
Ouvir uma palavra amável
Escrever um poema de amor
Que nunca será rasgado
Rever uma velha amizade
Esperar alguém na estação
Ter uma surpresa agradável
Um aperto no coração
O par ideal, o gesto afável
Ao lado a pessoa amada
Lembrar histórias sem idade
Ouvir o canto da passarada
Um momento de claridade
Abraçados à beira mar
O disco vermelho no horizonte
Um céu de fogo invisível
Aquela música inesquecível
A noite de lua iluminada
O jantar a dois no alpendre
O perfume a lavanda no ar
Queijo com marmelada
Vinho branco bem gelado
Uma saúde num beijo selado
O ombro sempre amigo
A cadeira de embalar
Um silêncio de noite suave
O Bolero de Ravel a rematar
Um cheiro a terra molhada
O manto da noite a descer
O desejo de amor a crescer
Um dia que valeu a pena
Viver.

18 de julho de 2022

ACREDITAR

 

Eu acredito no poder das cores,
dos sons, dos cheiros, do barulho da chuva, de uma foto,
de uma pintura, de uma música...
Eu acredito no poder dum abraço que fortalece uma amizade.
Na mão no ombro que ampara uma compreensão.
Num beijo que sela uma palavra de amor.
Acompanhados dos silêncios que dizem tudo.



Não espero que compreendas
as minhas dúvidas e os meus paradoxos.
Afinal a minha vida raramente teve tons pastéis,
embora sejam esses que transmitam um intenso suave e paz.
Escolhi tons fortes e vibrantes, tentação quase pecaminosa
de viver uma outra vida, enquanto vou desfolhando esta..

13 de julho de 2022

MONSARAZ

 

De longe, pela estrada do Corval é aquela bossa saliente no ventre quase liso da planura alentejana, em volta, como se a terra tivesse engravidado.

 Nos dias claros, a luz intensa rasga a transparência do céu, acima do verde da encosta, desnuda uma fileira de paredes brancas entremeadas com a muralha baixa de onde saem as duas torres sineiras da igreja matriz de Nossa Senhora da Lagoa praticamente a meio do cenário, entre a torre da porta de armas que dá acesso ao casco central e as muralhas mais altas, no extremo oposto, com torreão a resvalar pela encosta que termina, agora, no imenso lago e a arena onde em tempos a fidalguia, senhoria de montes e de mares de trigo, mostrava a bravura nas lides dos touros bravos.

Nas noites limpas, a iluminação que dá ao conjunto ares de estranha nave a pairar entre uma enorme lua de néon e o vácuo negro em redor, mantém a majestosa visão de algo que nos atrai como se gigantesca mão invisível a segurasse na sua palma.

Dizem que não se deve voltar ao lugar onde se foi feliz. Não acredito que haja algum problema com isso. Foi impossível resistir ao chamamento e, lá estivemos mais uma vez, ao fim de tarde, a jantar no mesmo restaurante com a varanda virada ao poente a desabar pela encosta, o Sol vermelho na linha do horizonte e tu para mim

- lembras-te? –

e a tua mão atravessou a mesa para se enconchar na minha, eu olhei-te nos olhos e lembrei-me. Estavam a sorrir como da outra vez em que começara uma noite de amor.

 



Havemos de lá voltar um dia...


10 de julho de 2022

SEJA INCANSAVELMENTE OPTIMISTA

Seja incansavelmente optimista.

Ser optimista é ser perseverante
é não se acomodar com o que lhe faz mal
e ter uma fé inabalável de que tudo vai ser bom.
Somos nós que escrevemos a nossa história de vida.
Mas, sem esforço não existem vitórias.
Ser incansavelmente optimista faz bem à mente
e, o que faz bem à mente, faz bem ao corpo.
Ao escolhermos viver com optimismo
o coração sorri
os olhos brilham
e todos os que estão à nossa volta, agradecem.

9 de julho de 2022

AO CAIR DO PANO

 

Compreendi que viver é ser-se livre.
Que ter amigos é necessário.
Que lutar é manter-se vivo.
Que decepção não mata.
Que hoje é reflexo de ontem.
Compreendi que podemos chorar sem derramar lagrimas.
Que os verdadeiros amigos permanecem.
Que dor fortalece.
Que vencer engrandece.
Que o valor está na força da conquista…
Compreendi que sonhar não é fantasiar…
Que pra sorrir tem que fazer alguém sorrir…
Que a beleza não está no que vemos, e sim no que sentimos…
Compreendi que as palavras têm força.
Que fazer é melhor que falar.
Que o olhar não mente.
Que viver é aprender com os erros.
Aprendi que nem tudo depende da vontade.
Que o melhor é sermos nós mesmos.
Que o segredo da vida é viver!

AMOR É QUANDO MORAMOS UM NO OUTRO

 

Fechei os olhos para não te ver
cerrei os lábios para não dizer o teu nome
e dos meus olhos fechados saltaram lágrimas
que não enxuguei
e dos meus lábios cerrados nasceram sussurros
que não pronunciei
Amor é quando moramos um no outro.

5 de julho de 2022

QUANDO AMBRÓSIO PERDEU O SACA ROLHAS

 

Quando perdeu o saca rolhas que Madame lhe oferecera pelo último Natal, Ambrósio ficou sem um pingo de sangue. Perdera o saca rolhas e ele estava perdido também!

Não sabia mais o que fazer nem sequer queria pensar no que seria a próxima vez que madame lhe dirigisse o pedido para abrir uma nova garrafa de daquele Porto especialíssimo e com aquele saca rolhas tão invulgar que ela lhe oferecera.
Um estojo de veludo grená com o nome "Ambrósio" cuidadosamente desenhado a fio de ouro e lá dentro o saca rolhas com o enroscado em dourado e a parte de cima, uma bola negra com uma espécie de botão também dourado que ele nem imaginava onde ela o teria comprado.
A verdade é que nunca tivera uma prenda com tamanho requinte.
Ambrósio desesperava. Procurou ele, só ele, pois não queria que mais ninguém soubesse do infausto acontecimento, tentando não enfiar na sua cabeça a tragédia do inevitável momento que Madame proferisse:
"Ó Ambrósio, apetece-me algo"
e ele sem saca rolhas para abrir uma nova garrafa de Porto a Madame.
O facto é que o saca rolhas não estava em lado nenhum. Com teria sido possível aquilo acontecer. Perdido, roubado, ele não sabia o que pensar.
Tinha ido buscar Madame ao salão de beleza, naquela tarde chuvosa de Julho, um Verão que tardava em chegar, depois de ter passado pela tal garrafeira onde adquirira duas garrafas do Porto Tawny do costume.
A hora fatídica aproximava-se... foi então que Ambrósio teve uma ideia fantástica e a solução estava na loja mesmo ao lado da garrafeira.
Nessa noite.
"Ó Ambrósio, apetecia-me algo..."
E, Ambrósio, com o sorriso discreto, a mão e a voz ainda assim mesmo, ligeiramente trémulas, apresentou não a garrafa de Porto por abrir mas uma caixa de bombons, divinamente embrulhada em papel dourado. e com um enorme laço de fita vermelha.
"Talvez, um Ferrero Rocher, Madame..."
Ela franziu o sobrolho de indisfarçada surpresa mas esticou a sua mão direita impecavelmente tratada, as unhas longas de verniz vermelho como garras, levaram aos lábios uma pequena bola daquele finíssimo chocolate levando-a a soltar uma exclamação
"Òoooooooo Ambrósio...............huuuuuum, bravo Ambrósio"
que ele mediu quase como um orgasmo se tratasse, penitenciando.-se imediatamente pelo indecoroso pensamento.

NOTA FINAL: E, foi assim que a partir dessa noite, Ambrósio se "salvou" e Madame nunca mais quis cálices de Porto. Apenas Ferrero Rocher!
O saca rolhas viria a aparecer umas semanas depois, quando o Rolls foi à revisão, caído entre o banco do motorista e a porta. Como poderia ter acontecido?

2 de julho de 2022

OUTRA VEZ FEIRA POPULAR

 

Lembro-me da antiga Feira ainda no Parque de Palhavã, onde hoje se encontra a Fundação Calouste Gulbenkian, e também da inauguração da “nova” Feira em 1961, quando passou para Entrecampos ocupando dois quarteirões na avenida da República. Ia eu fazer treze anos e a família tinha-se mudado há cerca de cinco anos para um novo apartamento junto à avenida de Roma! De modo que se ia tranquilamente a pé até ao novo recinto.

 

Em Entrecampos já não havia o famoso "Lago dos Namorados" que, em Palhavã, serviu de ninho a muitos parzinhos apaixonados, nem funcionou o não menos famoso "Rotor", que tinha como principal atracção levantar as saias às meninas que se atreviam a entrar no dito carrosel e também acabou o  "Water Shoot" mas apareceu a montanha russa, o carrossel dos balouços que também levantava as saias ás meninas acompanhado de gritinhos provavelmente de surpresa pela corrente de ar.

De resto havia tudo, os carrinhos de choque, o comboio fantasma, os astrólogos, os carrosséis, a montanha-russa, a grande roda, o poço da morte e, claro, os comeres e beberes da praxe, onde a sardinha assada era rainha e as farturas o toque final ajustado.

A Feira Popular era, no final do ano escolar, o grande ponto de encontro de milhares de estudantes que ali iam festejar mais um ano passado. Pois tudo isso acabou em 2003! E sem nada em troca…

 

Esperei dois anos para ter as chaves de casa e sair à noite com o Rogério, mais velho que eu quase dois anos e o Vítor, da minha idade. O Vítor aparecia sempre primeiro em minha casa, depois do jantar e depois íamos os dois buscar o Rogério que acabava sempre mais tarde, o jantar. Por vezes também alinhavam a irmã Susana, também mais velha e a Ana Maria que era da minha idade, a vizinha que era neta do proprietário com quem tive o meu primeiro namorico de janela, durante alguns meses (já nem recordo quantos) intercalado com umas saídas à matine de cinema sempre com o Vítor à perna ou então estas custosas saídas nocturnas.

 

“Hoje, vamos à Feira?”

 

Está combinado! E lá íamos os três ou os cinco só que quando íamos os cinco, o regresso era sempre até às onze da noite, e olhem lá! Para os rapazes sós, condescendia-se mais uma hora que esticava até à meia noite e meia. Sem faltas!

Durante a semana, eu e o Rogério andávamos a pé até ao Colégio Moderno que é no Campo Grande e voltávamos pelo mesmo caminho e da mesma maneira à hora do almoço e se tínhamos aulas de tarde, lá íamos e vínhamos outra vez a pé!

Mas era por uma boa causa.

Juntar o dinheiro quie nos davam para os transportes para gastar no sábado na Feira, além da semanada! Feitas as contas, amialhava-se uns cinquenta escudos, uma pequena fortuna para uma noite de intensa folia e ainda sobrava algum para um prego e uma imperial numa barraca dos comes e bebes.

 

A grande inovação foi quando surgiu na praça do carrossel dos aviões, uma “juke box” ligada a um projector que na parede que restou de pé de algum prédio demolido anteriormente, pintada estrategicamente de branco, projectava um pequeno filme com o tempo da música e com o respectivo cantor a cantar, ao mesmo tempo. 

Impressionante para a época!

Claro que aquilo estava sempre a tocar as mais variadas músicas até que decorria o Verão 64 surgiu o “top” dos “tops” neste caso das “tops”! canção que já batera records de vendas, “Si je chante cést pour toi” na voz de Silvie Vartan que, à época, fazia as delícias adolescentes no seu romance com o cantor Johnny Halliday quando apareciam sempre amorosamente unidos na revista para jovens “Salut Les Copains”, a única distribuída por cá.

Pois a loura Silvie aparecia a cantar o “Si je Chante” na borda de uma piscina e rodeada de umas quantas beldades em fatos de banho, imagine-se também em biquínis e aquilo era um regalar de vista. Pois o famigerado disco tocou tantas vezes e o filme passou igualmente as mesmas tantas vezes que para o fim da época já a Silvie estava roufenha e o filme riscado! Ainda hoje pode ser visto no “u tube” e eu saudoso desses tempo, já o tenho ido espreitar!

Outros tempos, Silvie! Outros tempos, meus amigos!  

 


UMA VISITA AO ZOO

 

A minha tia Lucinda, para mim sempre foi a Cita, irmã mais velha da minha mãe e de meu tio Reinaldo, era o que toda a gente dizia com inteira justiça: “uma boa pessoa”! Contemporizadora com tudo e com todos, nunca lhe conheci uma palavra amarga ou mais brusca era a referência da bondade, na família.

Um casamento infeliz, atirou-a para um divórcio, muito nova, tinha o meu primo João seis anos, num tempo em que as mulheres ficavam, na maior parte das vezes, com direito a muito pouco ou mesmo a nada. Assim sucedeu com ela que saiu de casa e se recolheu em casa dos meus avós maternos e por lá ficou, sem nada, obviamente com o apoio dos meus avós e dos irmãos. 

Mas isto é apenas um prólogo pois a crónica começa mais abaixo.

 Entretanto o meu primo casou e dessa união nasceu uma menina a que foi dado o nome de Leonor Maria, para mim sempre a Nônô, que hoje tem 62 anos, está casada com um cidadão sueco de nome Thomas e reside em Estocolmo. há mais de 30 anos mãe de um rapaz, o John Anton,  já maior de idade.

Mas isto faz parte ainda, de certa maneira, de um prólogo pois a crónica começa agora.

 E, regressamos então, até ao ano de 1966 quando a Nônô com seis anos, acompanhada pelos pais e pela avó Cita, em passeio pelo Jardim Zoológico. Diz-se a quem vai ao Zoo que vai visitar a família, referindo-se obviamente aos macacos, Os simpáticos primatas, nossos mais próximos na longa cadeia dos animais.

Foi na jaula dos gorilas que tudo se passou! Embora dividido por uma rede, antes das grades os gorilas e macacos observam os humanos como parentes próximos e a imitação dos seus gestos é uma fatalidade.

Aconteceu que a minha prima Nônô tinha caído e magoado um joelho e a avó Cita sempre prevenida e solícita, logo tinha ali à mão um pequeno rolo de adesivo, uma tesoura pequenina e uma embalagem com gaze para além do inevitável frasquinho de mercúrio-cromo.

Inadvertidamente, porém, para melhor fazer o curativo ao joelho da neta, sentou-se no bordo da jaula, de costas para as grades e pôs-se a fazer o curativo, colocando um pouco de mercúrio depois, cuidadosamente a gaze e por fim desenrolou um pouco de adesivo que cortou com a tesoura e para melhor efectuar a operação pôs no rebordo da jaula, o rolo de adesivo e a pequena tesoura não reparando que o gorila já se tinha aproximado das suas costas e zás, com uma rapidez inaudita, meteu a enorme mão entre as grades e lá foram o rolo de adesivo e a pequena tesoura na mão do macacão que tinha estado a observar criteriosamente toda a acção de curativo.

Os restantes visitantes começaram então a rir-se muito e a apontar para dentro da jaula incluindo os meus primos e a pequena Nônô, só a tia Cita não estava a perceber mas quando se virou e deu por falta do rolo de adesivo e da tesoura é que deu conta da situação.

O enorme macaco já estava de adesivo desenrolado pelo corpo num emaranhado que depois lhe doía quando o tentava arrancar e andava aos saltos e aos urros, de tesoura em riste. O ruído e o súbito aglomerado chamou a atenção de dois guardas do jardim que depois de se inteirarem do caso e identificar a responsável, exigiram explicações e foi difícil sair incólumes.

Foi preciso chamar o tratador que censurou o irresponsável acto. Apesar se de ter tratado efectivamente de uma distracção. Com muita paciência e perícia lá conseguiu ir tirando o adesivo enrolado nos pelos do símio e convencê-lo a dar a tesoura que por sua vez passou para as mãos da minha tia, muito nervosa. E ainda queriam que fosse paga uma multa.

Por fim os ânimos lá serenaram e os meus primos e a minha tia Cita puderam sair do local e continuar a sua visita. Mas não ganharam para o susto.

A minha tia Cita sempre tão ponderada, cautelosa, e de gestos atentos tivera o seu momento de distracção fatal ou quase…

Com o tempo, e o humor do meu primo João, este episódio ganhou foros de anedota, de modo que toda a gente que o ouvia contar com o acrescento de pormenores à sua maneira, a risota era geral.


1 de julho de 2022

A FEIRA POPULAR

 

A Feira Popular foi inaugurada em 10 de Junho de 1943 em Palhavã, nos terrenos onde hoje estão as instalações da Fundação Calouste Gulbenkian incluídos os magníficos jardins. O objectivo foi o de financiar as férias de crianças carenciadas através da acção social da Fundação "O Século". 

Claro que só me tornei um amante folião da feira, no ano seguinte ou mesmo dois anos mais tarde. ou seja pelos cinco anos. Se fui antes não recordo nada!

Mas, depois chegam as recordações. Quando chegava a Primavera e os dias grandes Chegava a Feira! E aí estava eu tomado por aquela ansiedade até que uma tarde de Maio, o meu pai chegava do trabalho e perguntava à minha mãe:

“Olga, hoje vamos à Feira?”

E pegava em mim:

“Vamos os três andar no carrossel…”

Ena pai que grande notícia. Eu acho que não dizia nada, mas ria e pulava. Era eu a dizer que sim de contentamento. Por vezes já nem jantávamos em casa. Apanhávamos o autocarro cuja paragem ficava em frente à porta de casa que nos deixava a uns duzentos metros mais ou menos. Depois era a pé! Durante o caminho, coitados dos meus pais, tinham de aturar a minha excitação:

“Este rapaz parece uma grafonola! Esteve todo o dia quase sem dizer nada…”

sentenciava a minha mãe perante o sorriso condescendente do meu pai. Sentados os três no banco do primeiro andar do autocarro, o mundo era meu! O avistar dos muros que delimitavam o recinto que mais pareciam muralhas de um castelo, com ameias e tudo, davam em mim aquele ânimo para estugar o passo e passava a ser eu a rebocar os meus pais.

“Vamos ou não?”

E a minha mãe rebocada em cima dos saltos altos no passeio irregular:

“Ó filho ainda me fazes cair, bolas!”

O meu pai travava-me discretamente com uma pressão na mão e sorria. Compradas as entradas num quiosque junto à porta principal, ultrapassado o porteiro. Uff! Entrámos por fim! 

“Ó pai compras os bilhetes para aquele homem os rasgar logo a seguir?”

Não me lembro da resposta se é que houve alguma.

 Aquilo era uma Babilónia!  Luzes, muitas luzes de todas as cores penduradas nuns fios por todo o lado e música muita música, que brotava dumas campânulas no cimo de uns postes, por todo o lado, uma fila de barracas com tudo e mais alguma coisa, bugigangas, brinquedos, utensílios diversos, um mundo de coisas para vender ali logo na primeira rua que ia desembocar: Ohhhhhhhhhhhhh! Maravilha das maravilhas à praça dos carrosséis e dos carrinhos de choque. Mais uma vez pai e mãe rebocados! Normalmente, condescendiam com uma primeira volta no “oito” o meu preferido por ser um carrossel maior, com volta por baixo e por cima e bastante veloz. Se estávamos todos em sintonia na disposição, a minha mãe ia na barquinha de preferência junto a uma girafa e o meu pai de pé ao lado do bicho para me segurar sob o olhar atento da mãe controladora que nunca deixava de sentenciar:

“Alfredo segura bem esse menino!”

O meu pai encolhia os ombros e sorria para mim como quem diz: mulheres… hoje eu entendo! Por vezes num assomo de boa vontade e ainda antes do jantar, uma voltinha nos carrinhos de choque. Tinha de ser àquela hora pois ainda andava pouca gente. Mais tarde, às horas de ponta, a violência aumentava e a pista tornava perigosa a viagem.

Tudo era tão maravilhosamente divertido.

 Lembro-me que num ano apareceu o supra sumo das maravilhas! O “Water Shoot”!!! O “Water Shoot” era uma espécie de mini montanha russa, um carro que levava quatro pessoas e que andava em cima de umas calhas que tinham umas quantas, duas ou três subidas e claro outras tantas descidas para voltar a ganhar balanço suficiente para trepar a seguinte, até que a última descida, ganhava ainda mais velocidade, antes de terminar, e como tudo isto ocorria por cima de um lago artificial, no fim a própria água servia de travagem a esta louca correria pois as calhas mergulhavam discretamente antes da paragem total. A água levantava então à proa e dos lados do carro com o embate e molhava passageiros que surpresos gritavam e esbracejavam alguns bem divertidos, outros talvez nem tanto. Mas, também não havia maneira de evitar uns quantos salpicos bem grossos. Uma viagem no “Water Shoot” era bem mais cara que noutro divertimento, suponho eu, pois tinha de rebocar os meus pais com outra convicção… mas não seria preciso tanto, em noite de boas vontades!

Uma vez, o meu pai atrasou-se lá no armazém onde fazia uma contabilidade, fora de horas, e recebia mais algum, mas não quis estragar a ida já prometida de véspera, telefonou à minha mãe a combinar, ela foi comigo no autocarro do costume e quando chegámos os dois ainda esperámos uma eternidade, a mim pareceu, pelo meu pai que, finalmente, apareceu do outro lado já de bilhetes na mão, um sorriso de orelha a orelha, e um embrulho enorme de papel pardo em forma de triângulo, debaixo do braço.

Beijinhos na mãe, beijo em mim e a minha mãe logo:

“O que é isso?”

O meu pai sorridente:

“Olha, deram-me um bacalhau, lá no armazém!”

A minha mãe em tom de censura:

“Então e agora? Vais andar de bacalhau debaixo do braço aqui na feira?” 

O meu pai contemporizador:

“Ó filha, não faz mal nenhum. Passamos a ser quatro e este tem vantagem. Também não paga bilhete!”

A minha mãe acabou com um sorriso menos amarelo num murmúrio…

“Tens cada uma!”

Era assim o meu pai.

 

O “Water Shoot” lá estava à nossa espera. A fila já era grande mas um pouco de paciência para parecer menos eternidade. Sentámo-nos os três no banco da frente e o bacalhau à frente, entalado entre as pernas do meu pai. Não sei se no banco de trás ia alguém mas, para o caso, não faz diferença. Começamos a deslizar nos carris, devagarinho e aí está a primeira subida, ligeira, e no alto até parece que tudo pára antes da vertigem da descida. 

“Esta ainda não é má…”

Dizia a a minha mãe que sempre temerosa não gostava sobretudo da última. Uma ligeira volta para a esquerda e eis a segunda subida mais pronunciada com, de novo, aquela sensação de que lá no alto o carro podia voltar pelo mesmo caminho. Mas logo se inclinava para uma descida mais veloz ainda do que a primeira…

Ups!!! Estômago a subir pelo peito acima e nós a descer por ali abaixo rumo á curva antes do charco. Cachapuz, pás, blaz, enorme onda para dentro do carro talvez por ir mais pesado à frente e ficámos mais, mas mesmo muito mais, salpicados que o habitual. Ouve-se então a exclamação da minha mãe, sublinhada com um ataque de riso:

“Ó Alfredo que molhaste o bacalhau todo!!!”

E o meu pai, bacalhau entra as pernas com as calças e o embrulho encharcados.

“Olha deixa lá! Já está demolhado…”

Era assim o meu pai!

O regresso a casa era sempre motivo para uma pedinchice muitas vezes satisfeita mas algumas negas que “por hoje, já chega!” e eu lá me convencia!  Mas o sono tinha sempre carrosseís, carrinhos de choque e “water shoots” que duravam até de manhã!