A minha tia Lucinda, para mim sempre foi a Cita, irmã mais velha da minha mãe e de meu tio Reinaldo, era o que toda a gente dizia com inteira justiça: “uma boa pessoa”! Contemporizadora com tudo e com todos, nunca lhe conheci uma palavra amarga ou mais brusca era a referência da bondade, na família.
Um casamento infeliz, atirou-a para um divórcio, muito nova, tinha o meu primo João seis anos, num tempo em que as mulheres ficavam, na maior parte das vezes, com direito a muito pouco ou mesmo a nada. Assim sucedeu com ela que saiu de casa e se recolheu em casa dos meus avós maternos e por lá ficou, sem nada, obviamente com o apoio dos meus avós e dos irmãos.
Mas isto é apenas um prólogo pois a crónica começa mais abaixo.
Mas isto faz parte ainda, de certa maneira, de um prólogo pois a crónica começa agora.
Foi na jaula dos gorilas que tudo se passou! Embora dividido por uma rede, antes das grades os gorilas e macacos observam os humanos como parentes próximos e a imitação dos seus gestos é uma fatalidade.
Aconteceu que a minha prima Nônô tinha caído e magoado um joelho e a avó Cita sempre prevenida e solícita, logo tinha ali à mão um pequeno rolo de adesivo, uma tesoura pequenina e uma embalagem com gaze para além do inevitável frasquinho de mercúrio-cromo.
Inadvertidamente, porém, para melhor fazer o curativo ao joelho da neta, sentou-se no bordo da jaula, de costas para as grades e pôs-se a fazer o curativo, colocando um pouco de mercúrio depois, cuidadosamente a gaze e por fim desenrolou um pouco de adesivo que cortou com a tesoura e para melhor efectuar a operação pôs no rebordo da jaula, o rolo de adesivo e a pequena tesoura não reparando que o gorila já se tinha aproximado das suas costas e zás, com uma rapidez inaudita, meteu a enorme mão entre as grades e lá foram o rolo de adesivo e a pequena tesoura na mão do macacão que tinha estado a observar criteriosamente toda a acção de curativo.
Os restantes visitantes começaram então a rir-se muito e a apontar para dentro da jaula incluindo os meus primos e a pequena Nônô, só a tia Cita não estava a perceber mas quando se virou e deu por falta do rolo de adesivo e da tesoura é que deu conta da situação.
O enorme macaco já estava de adesivo desenrolado pelo corpo num emaranhado que depois lhe doía quando o tentava arrancar e andava aos saltos e aos urros, de tesoura em riste. O ruído e o súbito aglomerado chamou a atenção de dois guardas do jardim que depois de se inteirarem do caso e identificar a responsável, exigiram explicações e foi difícil sair incólumes.
Foi preciso chamar o tratador que censurou o irresponsável acto. Apesar se de ter tratado efectivamente de uma distracção. Com muita paciência e perícia lá conseguiu ir tirando o adesivo enrolado nos pelos do símio e convencê-lo a dar a tesoura que por sua vez passou para as mãos da minha tia, muito nervosa. E ainda queriam que fosse paga uma multa.
Por fim os ânimos lá serenaram e os meus primos e a minha tia Cita puderam sair do local e continuar a sua visita. Mas não ganharam para o susto.
A minha tia Cita sempre tão ponderada, cautelosa, e de gestos atentos tivera o seu momento de distracção fatal ou quase…
Com o tempo, e o humor do meu primo João, este episódio ganhou foros de anedota, de modo que toda a gente que o ouvia contar com o acrescento de pormenores à sua maneira, a risota era geral.