30 de agosto de 2023

 MORREU MAIS UMA BOMBEIRA NO CARAMULO. TINHA 21 ANOS.

DEIXO AQUI A MINHA HOMENAGEM A ESTA BRAVA GENTE QUE ASSIM ARRISCA DEFINITIVAMENTE A SUA VIDA PARA DEFENDER VIDAS E BENS ALHEIOS.
A sombra da cobardia subiu o cume
da floresta, ainda era madrugada.
O fósforo riscou um sinal de lume
no escuro. A Paz assassinada!
Um golpe de vento chamou a fera
uma coluna de fumo negro, desespera
na terra,
onde começa uma guerra.
O monstro cresce, envolto em fumo, abrasador
desce o monte num galope de labaredas
semeia o pânico, nos caminhos, nas veredas
nos gritos da madeira que se torce de dor.
Respondem sinos nas aldeias em rebate,
e as sirenes num alarme avassalador
chamam os homens ao combate.
Para este inferno, nem imaginação, nem Dante,
nem ideia que se faça, podem existir.
A face das gentes deixou de sorrir.
A morte anda agora à solta, um instante,
vulto que tudo tapa com seu manto,
A coragem persiste num heroico rompante,
e a vida vacila no desafio de espanto.
(MJS, Aveiro 30 de Agosto de 2013)

29 de agosto de 2023

 BENGALAS TODA A GENTE SABE O QUE SÃO; até mesmo aquelas que se utilizam na linguagem para apoio ao discurso, ou seja, frases ou apenas palavras que se aplicam repetidamente quando o discurso é coxo e que depois se tornam viciantes.

Mas, também há no linguajar frases ou palavras que normalmente são "bengalas" e que por motivos insondáveis passam a estar na moda, são repetidas até à exaustão a propósito de tudo e de nada, e por fim desaparecem como se, de repente, alguém desligasse a luz. São exemplos, "então é assim", "basicamente", etc e também outras como "zona de conforto", "janela de oportunidade", "fulano é de muita qualidade" (esta mais a jogadores de futebol) "partilhar" que veio substituir o "dividir" provavelmente por uso no facebook e, por último a que surgiu numa daquelas alterações de linguajar sem explicação nem motivo e ainda por cima segundo já ouvi e li, errada na construção mas que parece ter pegado "à séria".
Porquê? Não sei. Mas gostava que alguém me explicasse.
A SÉRIO!!!

 PERDER TEMPO EM APRENDER coisas que não interessam priva-nos de descobrir coisas interessantes. (Carlos Drummond de Andrade)


Verdade! Tantas e tantas vezes nos preocupamos em tentar saber coisas que não interessam para nada que nem damos pelo tempo que gastamos com esse desiderato.
Só mais tarde reparamos que, afinal, o tempo passou e deixámos de ter tempo para aprender as coisas que nos podem ser úteis.
SE O PESSIMISMO TORNA OS HOMENS cautelosos, o optimismo torna os homens imprudentes? Confúcio)
Entre uma coisa e a outra, prefiro o realismo! O pessimismo não favorece a iniciativa nem valoriza a consequência; mas optimismo em demasia torna-nos, de facto, imprudentes. Já Voltaire dizia que optimismo é a mania de sustentar que tudo está bem quando tudo está mal. Seria Voltaire um pessimista?
NÃO DEIXES QUE AS PESSOAS TE FAÇAM desistir daquilo que mais queres na vida. Acredita. Luta. Conquista. E acima de tudo, sê feliz! (autor desconhecido)
Desistir é a maior derrota que se pode ter...

16 de agosto de 2023

QUANDO ABRIMOS OS OLHOS, são as janelas do corpo que se abrem, e tudo o que nos rodeia fica reflectido dentro de nós. O mundo de cada um. Mas raramente o mundo de cada um é igual ao do próximo, embora ambos tenham o mesmo cenário à sua volta. Fica, então, a palavra para descrever o que os olhos vêem.

Mas, não basta ter ouvidos para ouvir o que é dito porque também aquilo que for dito como interpretação do que se está a ver pode ser entendido, pelo outro, de maneira diferente.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem.
"Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro
Ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver.
Cummings inspira-se no zen-budismo, quando escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos abriram-se".
É preciso que haja silêncio dentro da alma e aprender a gostar, mas gostar mesmo, das coisas e das pessoas que o cercam.
Essa é a aprendizagem que nos permite deixar apenas de olhar e passar a ver; essa é a aprendizagem que nos concede a certeza de que estamos a ouvir o que o outro está a querer dizer-nos.
E, com isso, aprendemos ainda outra coisa muito importante.
Conseguimos dialogar. E sermos tolerantes.
Vou treinar isto...

14 de agosto de 2023

 DIRECTAMENTE DO CAMPO DE SÃO JORGE, ALJUBARROTA

A REPORTAGEM POSSÍVEL com Nuno Álvares Pereira.
O repórter Pêro Coelho aproveita breve tempo de ansiosa espera pelo avistar do exército castelhano para entrevistar o Condestável D. Nuno Álvares Pereira. Na circunstância a reportagem possível.
- Boa tarde, D. Nuno, qual a táctica para esta tarde?
- Boa tarde, bem, decidi com a concordância de El Rei que dada a proporção das forças em presença, em que cada valente português tem de valer por cinco ou seis, que formaríamos um quadrado defensivo e assim esperamos que sejam eles os primeiros a atacar.
A cavalaria pesada francesa é o meu principal foco mas reservei-lhe uma pequena surpresa. Valas com a largura de dois passos, fundas o suficiente para que os cavalos tropecem e com o peso das vestes e balandraus de malha e o peso dos próprios cavaleiros poucas hipóteses terão de se defender perante os nossos lanceiros leves e rápidos...
- Mas, D. Nuno, esta formação em quadrado não será demasiado defensiva? E se os castelhanos rodearem a formação?
- Mais do que defensiva, quero-a desafiante! Provocatória. O que espero é que eles estando fatigados pela caminhada e vendo-nos aqui, queiram acabar isto o mais depressa possível e cometam os erros tácticos... percam a paciência, por exemplo.
- Oxalá resulte...
- Vai resultar, meu caro. Se bem conheço a impetuosidade dos castelhanos, não aguentarão mais do que uma no máximo duas horas de contemplação e de avaliação.
- E se tentarem rodear a formação pois a nossa rectaguarda parece mais fraca e menos densa?
- Não estou à espera que o primeiro movimento seja pelos flancos, além disso, os nossos arqueiros e besteiros estão preparados para inverter rapidamente o posicionamento e defenderem a posição em perigo. Agora, meu caro, tenho de terminar porque já se ouvem as trombetas castelhanas o que quer dizer que eles nem meia hora vão esperar para começar o ataque. Aliás como lhe dizia; falta-lhes paciência e estudo...
- Obrigado, então. pela sua disponibilidade para esta entrevista...
- Você vai ficar connosco para relatar a batalha?
- Pode crer.
- Então junte-se ali atrás ao Fernão Lopes, o nosso cronista oficial. Ele às vezes é um pouco exagerado mas é bom homem.
- Já agora D. Nuno, posso tirar uma selffie?
- Ó homem acha que consegue comigo aqui em cima deste bicho?
- Vamos ver... olhó passarinho... já está!
- Então pronto. Suma-se!
- Obrigado, D. Nuno. Lá vou...
Mal teve tempo de chegar à rectaguarda quando o chão começou a tremer, qual terramoto e um grande clamor rebentou no campo espanhol. Tal como D. Nuno tinha previsto, os castelhanos não tiveram paciência... e perderam!

12 de agosto de 2023

 Foi neste mesmo dia do Ano da Graça de 1385, com Sol e já um calor intenso que três rapazes saíram de sua casa, em Calvaria de Cima, uma aldeola perto de Porto de Mós despediram-se de suas mães num beijo aflito e dos seus velhos pais com um comovido abraço e rumaram primeiro a Alcobaça onde se juntariam às ordens do "Condestabre" Nuno Álvares Pereira para integrarem a famosa "Ala dos Namorados" em Aljubarrota, onde se decidiria a sorte do trono de Portugal, dois dias depois. Eram irmãos.

Viriato, o mais velho tinha penas 23 anos e deixara de véspera um beijo apaixonado nas lágrimas da face da bela Leanor.
O do meio, Martinho era muito diferente do irmão. Casara novo, com 19 anos pois Letícia uma moça azougada e atrevida prendera-o nos encantos dos seus grandes olhos azuis, lábios de mel e corpo de sereia e desse encantamento engravidara de Martim, numa noite de paixão há um ano atrás.
O mais novo António tinha 15 anos mas insistira no sonho de se tornar um valente ao lado dos irmãos mais velhos.
Levavam uma sacola com um pedaço de broa, rojões secos , queijo, presunto, duas maçãs cada um e a tiracolo um cantil cheio de água outro mais pequeno com vinho da lavra da família para que o dia de caminhada e até à chegada ao acampamento não fosse motivo de fraquezas. Viriato prendera à cinta a velha espada do pai que em tempos defendera Porto de Mós dos castelhanos, quando D. Patrício Moniz era o alcaide mor mas ficara ferido e tivera de amputar o braço esquerdo fruto duma lançada de um inimigo. Para Martinho era uma lança, longa vara de quase dois metros com uma pua pontiaguda cravada na ponta. Dizia que com aquela arma não haveria cavaleiro ou lanceiro que entrasse. Mesmo assim à cintura a faca de caça, lâmina que poderia penetrar no couro mais forte para o que desse e viesse. António passara a semana inteira a preparar o seu arco e a encher o cartucheira de flechas, nem todas conseguiu ter o bico de aço pois o seu tio ferreiro não tinha mãos a medir mas mesmo assim ganhou um pequeno punhal especialmente feito para ele e que o tio e padrinho lhe ofereceu com um comovido abraço de "buona fortuna".
Assim partiram pelos caminhos mais sombrios das matas e pinhais para fugirem ao calor de um Sol que já se mostrava por cima da copa das árvores impiedoso, em direcção ao ponto de encontro. Pelo caminho muitos outros se forma juntando, também homens a cavalo, carroças puxadas a bois com armas e barris de vinho e outros mantimentos, de forma que passada a manhã a andar de passo mais lento quando decidiram merendar já seriam mais de cinquenta e muitos se foram cumprimentando e abraçando por serem vizinhos e amigos nas redondezas.
Havia sorrisos e boa disposição. Passado o calor maior puseram-se a caminho e foi já ao lusco fusco que alcançaram as imediações de Alcobaça e a alegria de chegar foi subitamente interrompida por um tropel de uns cinco cavaleiros montados nos seus ginetes de guerra com armaduras reluzentes e longos montantes presos nas garupas das montadas cobertas com panos brancos e cinza e um trazia a bandeira com o escudo português enquanto outro o brasão de armas.
O susto apoderou-se daquele grupo de rapazes e alguns homens meio desatento e desordenado mas depressa perceberam que se tratava de gente lusa que vigiava os caminhos e preparava a recepção aos que vinham de longe.
Sabia-se que o inimigo vindo de Castela, encontrava-se a menos de três dias de viagem, ia devastando tudo à sua passagem, pilhando e matando quem se opusesse mas isso também atrasava a marcha às tropas de João de Castela, o pretendente ao trono de Portugal por não reconhecer legitimidade a D. João, Mestre de Avis.
Finalmente conduzidos ao acampamento sul, onde ficariam aquela noite foi-lhes distribuída um caldo de feijões quente com pedaço de broa e uma malga de vinho. Depois, para cada um, um corpete de couro rijo, um punhal e uma lança aliás muito semelhante à que Viriato levara.
Pequenas fogueiras foram acesas mas pela madrugada chegou ordem de apagar tudo e fazer o maior silêncio possível pois houvera notícia de que havia portugueses que se tinham passado para o inimigo e tinham fugido ao encontro da tropa avançada de Castela. Traidores que muitos se juntavam assim ao serviço de nobres que defendiam a candidatura de D. João de Castela.
Viriato não conseguiu dormir. Pensava nos pais e namorada que deixara e a noite estrelada fantasiava o pensamento. Martinho sonhava os olhos azuis e os lábios de morango de Letícia e parecia abraçar o pequenino Martim. O mais novo esse dormia ainda no cansaço mal recuperado da intensa caminhada e da excitação das peripécias do dia.
12 de Agosto de 1385 o dia de espera; para amanhã estava-lhes reservada uma tarefa imensa junto ao campo de Aljubarrota, mas isso fica para amanhã e para aquela que foi a famosa Ala dos Namorados.

NB: o texto é uma ficção, parte de uma minha crónica sobre a Batalha de Aljubarrota, por isso qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

9 de agosto de 2023

RICO É QUEM TEM TEMPO

 RICO É QUEM TEM TEMPO...

EU CÁ SOU POBRE!
Não porque não tenha tempo.
O que não tenho é dinheiro.
Por isso, sobra-me sempre tempo ao tempo que tenho.
E, assim, fico sorrateiro.
Para que o tempo passe depressa.
E eu fique com tempo
Para gastar o dinheiro que não tenho.


Se tivéssemos (persistentemente) consciência do quanto nossa vida é efêmera, talvez pensássemos duas vezes (se tivéssemos tempo)
antes de deixarmos passar as oportunidades que temos para sermos e para fazermos aos outros tudo aquilo que gostaríamos de receber dos outros.
Mas nós não sabemos adivinhar por quanto tempo, teremos tempo. por vezes (muitas) descuidamos, cuidamos pouco. De nós. Dos outros.
Por coisas pequenas, por vezes mesmo insignificantes, perdemos um tempo precioso. Gastamos horas, dias, às vezes anos. Umas vezes calamo-nos quando deveríamos falar; outras, falamos quando deveríamos ficar em silêncio.
Não damos o abraço que deveríamos o que nos impede esse gesto de aproximação (?), de amizade, de gratidão. Não damos um beijo carinhoso (não estamos acostumados) e não dizemos que amamos porque achamos que o outro sabe o que sentimos.
Assim passamos pelo tempo, sem vivermos. Existimos apenas, porque já não sabemos fazer outra coisa.
Até que acordamos e olhando para trás. perguntamo-nos:
- Então e agora?! Como recuperar o tempo irrecuperável?
E, poder ser que uma voz interior nos diga num sobressalto.
"Agora, hoje, já, ainda tens tempo para construir,
de dar o abraço amigo, de deixar o beijo carinhoso
de dizer uma palavra de reconhecimento, de agradecer.
Porque para isto haverá sempre tempo..."(Ainda que que o tempo já escorra por entre os nossos dedos...).

8 de agosto de 2023

REFLEXÃO

 3 QUESTÕES SÓ PARA refletirmos um pouco, e que embora pareçam banais levam, por vezes, tanto tempo a decidir que depois já não há tempo...


"O TEMPO contem certezas, decisões e acasos das pessoas que vamos conhecendo ao longo da vida"
"O CORAÇÃO decide quem desejamos nas nossas vidas mas é o cérebro pondera, pesa e vigia esses nossos quereres para alertar o coração do certo e do errado ou tirá-lo das incertezas."
"MAS SÃO AS ATITUDES que mais influenciam as nossas decisões de quem continuará a permanecer nas nossas vidas ou simplesmente, NÂO"

AO CAIR DO PANO

 Hoje o dia acordou-me a bater na vidraça depois de uma noite mais bem dormida e felizmente sem contratempos como na véspera. A infecção urinária parece estar dominada e portanto meio caminho para poder fazer tratamentos sem mais atrasos

Foi o que sucedeu! Enquanto assim for deixa-me espaço e tempo para recomeçar.
Um dia de cada vez. Não há outra forma de facto para melhor definir os tempos em que uma pessoa é "atacada" por um cancro. Um dia de cada vez.

Hoje o dia andou de bem comigo.
Esteve um céu azul cheio de girassóis e o calor e a imaginação levaram-me até a praia mesmo enquanto estive no cadeirão a fazer a injecção dos venenos todos.

Hoje o dia passou tão depressa que pensei que tudo devia parar nem que fosse por um momento, aquele instante em que tudo está em harmonia que nos faz sentir em paz.

E se a vida fosse uma fotografia e não um filme? Mas afinal o filme é uma sucessão de fotografias então também o movimento é uma sucessão de imagens "paradas" e a vida uma sucessão de momentos...

E antes que as minhas divagações deixem de fazer sentido deixo-vos por hoje com os votos de uma excelente noite

4 de agosto de 2023

 A NOSSA ESTRADA raramente se percorre sem altos e baixos e quando estamos num alto, por vezes, não nos lembramos, nem acreditamos que possa vir uma descida, e tão vertiginosa que nos põe a olhar, cá de baixo, e perguntamo-nos como arranjar força recomeçar a subir e tentar voltar ao cume.


Há muito tempo que me habituei, quando a descida foi inevitável, a focar-me que a próxima subida podia ser penosa, longa e incerta mas pior seria não tentar sequer começar a andar.


É por isso que na minha vida sempre aparece um girassol.
Foi ele que me ensinou a seguir o seu olho mágico sempre virado para o lado iluminado.
Espero, mais uma vez, conseguir conservar o foco.

3 de agosto de 2023

 HÁ UMA SEMANA ATRÁS:

O quarto dia de internamento em urologia não tinha corrido grande coisa; continuava sangue a aparecer na urina e tinha algumas dores quando um coágulo da bexiga me entupia o “sistema” e era preciso repor a algália para que a lavagem prosseguisse e o saco de soro pendurado e ligado ao braço pelo cateter também voltasse a funcionar ao ritmo desejado. E, estas manobras são sempre um pouco mais dolorosas. Mas depois, aliviam…
Não sabia como nem quando poderia ter alta e vir para casa que era o que mais ambicionava - e continuo a querer com todas as minhas forças, pois não há nada como estar em casa, junto da família e retomar as forças - mas enquanto a situação assim se mantivesse, estava fora de questão.
Estava a ser muito bem acompanhado e tratado pelas enfermeiras e pelo pessoal auxiliar e como estava só num quarto, a mandado do médico para me tentar proteger o mais possível dum surto de covid nuns quartos a seguir, mal tocava a campainha aparecia logo alguém a perguntar se estava tudo bem e o que desejava. Jantei menos bem. Não tinha nenhum apetite e o jantar também não puxou. Comida de hospital. Infelizmente não ajuda e muito saberão do que estou a falar.
A noite caiu lentamente através da janela com um por de Sol fantástico coberto por um crepúsculo e até que tudo se apaga e fica uma pequena “luz de silêncio” aos pés da cama.
Finalmente, por volta das onze horas, depois de ter tomado os dois comprimidos para as dores e para dormir melhor, devo ter adormecido!
Inevitavelmente, nestas ocasiões em que nos encontramos com o nosso pensamento mais solitário e focado na doença, lembrei-me muito do meu pai e do caminho que também ele teve de percorrer, durante quase oito anos até ao dia em que tive de o acompanhar às urgências de São José e nessa madrugada partiu. Na manhã seguinte, quando fui à visita com a minha mãe, o meu pai já tinha "fechado a porta"… foi um choque embora eu tivesse uma espécie de premonição de que ia acontecer. A verdade é que o meu pai estava já demasiado cansado e eu sentia que ele desejava “ir-se embora mas pelo menos numa "saída" o mais calma como sempre tinha sido a sua vida.”.
Não consigo dizer-vos se estava a apenas a pensar nisto tudo ainda acordado ou se foi a dormir – quero acreditar que fez parte do meu “sonho” pois, como sabem, é-me difícil crer de outra forma – mas que algo se passou na minha cabeça, disso não tenho dúvidas, e no momento seguinte, depois de ter pedido “pai, ajuda-me, estou muito dorido tu que tanto lutaste; por isso, ajuda-me… diz-me como se faz”. comovi-me com o meu próprio grito surdo de alma e o vulto que estava ali sentado aos pés da minha cama continuava no meu sonho. “Mas és tu, pai? Como é que conseguiste…”
Pareceu-me ouvir a voz dele na minha cabeça. “Não preciso bater a nenhuma porta nem pedir licença a ninguém para estar contigo. Vim ajudar-te a não estares tão só…” Não pude evitar as lágrimas porque sempre o tive presente quando precisei dele e podia contar com a sua palavra, raramente de censura mas por isso mesmo, para mim, sempre tão valiosa. corrigia como só ele sabia fazer. Não sei do resto, nem do tempo, mas sei que o sonho teve o condão de me apaziguar o espírito e as dores do corpo e se acordei só lá estava a luz de silêncio a reflectir as pernas de uma mesa junto à parede e o silêncio subitamente interrompido por alguém, no quarto ao lado que precisava de ajuda.
Não sei quanto tempo ainda fiquei uns momentos a decifrar o meu sonho pois só de manhã veio a voz da auxiliar acordar-me “Sr. Mário vamos pró duche, tá bem?” e eu, claro que sim, apareceu a enfermeira para me tirar sangue como acontecia todas as manhãs, o movimento aumentou e pouco depois, banho tomado, corpo vestido de lavado e mais um saco de plaquetas pendurado ao lado do soro e chegou o pequeno almoço. “Tudo bem consigo, sr. Mário?” Lembrei-me do sonho que tinha tido, aquele momento fugaz cuja incapacidade de reproduzir é igual a impossibilidade de esquecer. “Obrigado pai. Pela companhia… e, por tudo"