Quando a porta está aberta vejo o lado de lá.
Parede branca, no lado esquerdo, um poema escrito na
parede como tela em moldura invisível, encimando um armário em metal cinzento
com uma pilha de pastas de cartolina, em cima, cuja função ou proveniência não
consigo identificar.
O rodapé é de mosaico com os mesmos motivos dos
mosaicos do chão, pintalgados, a preto e branco. Tudo no outro lado parece a
preto e branco como numa foto já longínqua ou talvez recente mas como se
artista tivesse preferido um "flash" mais monocromático.
Quando a porta está fechada vejo apenas o lado de
cá.
E a porta, claro!
Do lado de cá, por cima da porta, há uma fileira de
quatro leds e logo acima desta, um dístico verde com um boneco branco a correr
para uma escada indicando uma saída em caso de emergência.
Emergência!
É por isso que a porta tem a meio uma barra metálica
que serve para que se abra rapidamente "para fora". Mas, não é
verdade que haja portas que abram para fora. As portas abrem todas para um
lado. Não abrem para fora pois quando abrem para fora, abrem também para dentro
de outro lado. Abrem para fora porque as empurramos mas, do outro lado abrem
para dentro porque as puxamos.
Hoje, alguém deixou um chapéu de chuva encostado
à parede do lado de cá, junto à ombreira do lado direito. O dia tem estado
irregular pois amanheceu com Sol mas, já ao início da tarde, o céu escureceu,
entristecendo o cenário lá fora.
Terá sido alguma corrente de ar que fez bater a porta,
fechando-a num estrondo? Não
sei!
Mas sei que as portas fechadas, como não deixam ver o
outro lado isolam a nossa visão, mas dão-nos asas à nossa imaginação e é como
se ficássemos com olhos virados para dentro da cabeça. Os nossos sonhos tão
infinitamente libertários não têm portas que os encerrem.
Mário Jorge, in "Projecto Livros XXI