15 de janeiro de 2014

06:00


Era de madrugada,
quando num sobressalto, vindo do nada.
a locomotiva amarela passou por dentro de mim,
num repente, a apitar estridente,
sem carruagens atrás, nem na frente,
sem princípio, sem meio, nem fim.

Fiquei a pairar qual astronauta sem nave,
num pairar suave, lugar extraordinário
buraco negro, com falta de cenário,
sem céu, sem lua, sem estrelas a brilhar
sem mar, sem praia, nem linha de horizonte
sem árvore, sem rio, sem vale nem monte
sem terra, sem chão, sem caminho para andar.

Gritei um grito que saiu de dentro de mim,
mas não ouvi mais ninguém a não ser o meu próprio grito.
Olhei para dentro de mim, aflito
e lá estava ela, a locomotiva amarela a piscar
com dois olhos vermelhos,
um zero e seis no esquerdo
e o direito com dois zeros.
Vou fingir que está tudo bem, pensei,
isto é pesadelo, partida de mau gosto
ou sirene para alerta de fogo posto.

E, foi assim que acordei.

Fazer a barba e escovar os dentes, durante o duche.
Beber meia chávena de café e meter um ‘croissant’ no bucho.
Vestir, calçar, pegar a pasta e correr para o carro.

Chego à estação central com o comboio a partir
apinhado de gente sonolenta que já não sabe sorrir
Todos os dias é sempre a mesma coisa.
Gente que vejo sem conhecer
e ninguém me conhece, a mim.
Gente que, como eu, finge que está tudo bem
e que a vida tem de ser assim.