8 de outubro de 2014

A MINHA INFÂNCIA

Na minha longínqua infância,
havia aquele muro intransponível do quintal da minha avó
tão assustadoramente alto
que nem a minha imaginação se atrevia a dar o salto
para o outro lado.

Do lado de cá havia dois canteiros com flores de nomes estranhos,

um banco de tábuas castanhas e pés de ferro,
em frente a uma gaiola enorme onde pássaros amarelos e azuis
vivam em permanente agitação, à procura da saída 
e um pequeno lago redondo onde rodopiavam, sem descanso,
peixes verdes e vermelhos com reflexos alaranjados.

Passei esse ano, a cavalgar por planícies imaginárias, 

num cavalo de papelão com crinas e rabo de estopa
que eu pedira ao Menino Jesus e ele me deixara, 
na chaminé da cozinha, no último Natal.
Depois aparecia a minha avó e eu ia com ela
falar com os pássaros da gaiola, dar de comer aos peixes do lago
ou regar as flores com nomes estranhos
e era então que a minha avó me dizia que não conhecia o outro lado, 
porque nunca tinha espreitado  (era feio espreitar, dizia-me ela)
e eu ficava a olhar para o muro demasiado alto, tão alto 
que nem a imaginação da minha avó era capaz de transpor
e a censurar o Menino Jesus, que me dera aquele cavalo sem asas.

E, então lembrei-me que devia ter sido a minha avó que pedira

para me dar o cavalo sem asas,
para que eu não pudesse voar por cima do muro
e espreitar o outro lado da minha imaginação.