2 de outubro de 2011

DAQUELA VEZ

O dia acordara triste, o céu pesado, o mar cinzento. 
E eu, mal dormida, sono dorido e cansado, 
depois do último cliente carregado de bebida, 
a tresandar a tabaco, vindo de um bar qualquer
já passara a meia noite, desprezado pela mulher.

Não quero ouvir o telemóvel tocar!
Por fora estou um farrapo e por dentro estou vazia.
Não quero ouvir nenhuma voz (que fazes? quanto levas?),
fazer carinho sem vontade, dar beijo que satisfaça,
uma fantasia sem graça.
Não quero o vestido preto, curto e decotado,
amarrotado,
só porque é rápido a cair no chão
e ficar, de salto alto, atrás da porta entreaberta, 
num sobressalto, num turbilhão.
E depois ele, rosto fechado, olhar inquieto, passo incerto
e eu num desejo de fugir, sem conversa,
tirar a roupa numa pressa,
medir-me com o olhar e num ritual rumo ao quarto,
rumo à cama,
rumo ao nada.

Já era noite quando o telemóvel tocou!
Deixei-o tocar, uma, duas e mais outra vez,
na esperança que desistisse.
Mas insiste e toca outra vez.
Num estranho impulso, acabo por atender.
Do outro lado, uma voz forte mas doce como um mel,
serena e meiga, diferente.
num arrepio, o meu coração treme
e o meu corpo fica mais quente.
Nem sei se respondo às perguntas que me faz
e quando ele desliga e diz ‘até já’, eu fico a pairar
(Até já? Não me diga, não me engane...)
estou capaz de não aguentar.
Num impulso corro para a 'lingerie' sensual,
para o vestido preto, curto e decotado,
amarrotado
só porque é rápido a cair no chão.
Ah! o fio dental e o sapato de salto alto
um pouco de maquilhagem que disfarce a palidez
mas os lábios, esses sim, vermelhos e brilhantes
com sabor a morango e afronte a timidez.

E, ali estou, num sobressalto
à espera que a campainha toque, de porta entreaberta,
e vejo-o aparecer no patamar,
saído do elevador numa nuvem,
a mesma voz metida num sorriso bonito
que me faz sorrir uma alegria estranha.

Trocamos dois ‘olás’, dois beijos,
meu nome é Bárbara, o dele Jacinto?
não importa, eu também minto,..
e sinto-lhe os lábios quentes no meu rosto e dou-lhe a mão,
e deixo os seus olhos mergulharem nos meus,
a percorrerem-me o corpo,
a penetrarem-me a alma,
tão desarmado anda o meu coração.
E, vamos para o quarto,
mãos macias passearem-me na pele,
Os lábios a arderem junto meu rosto,
a escorrerem pelo peito,
a vadiarem pelo meu corpo
demónios incendiários.

(E, eu não estou a fingir, estou mesmo a gemer.)

Já estou nua,
já estou fora da cama, fora do quarto, fora de mim,
archote a arder do outro lado da rua, do outro lado da Lua.

(Por favor, não tenhas pressa!)

Gemo um grito abafado que ele é mesmo safado,
sabe onde a mulher sente, sente onde a mulher quer.
Dentro de mim há um fogo que cresce,
depois desce,
e dentro de mim, estremece-me as entranhas
e ele a dizer-me, ao ouvido, coisas estranhas

(amor, querida, bela - e chama-me mulher.)

E eu, sinto-me como que perdida,
numa lascívia errante,
a voar por cima dele, pareço uma iniciante.

(Faço o que você quiser!)

Sinto-o estremecer, quase a acabar
e agarro-me com mais ânimo com mais força.
E dentro de mim termina, três, quatro, cinco vezes,
não sei bem.
Fecho os olhos, com o carinho do beijo que me deixa na testa.
E olhamo-nos apenas e tanto,
que já nem sei se é bom se não
e faz-me uma festa.
Num espanto, oiço-me murmurar.
(Foi muito bom, amor...)
e ponho o dedo indicador nos seus lábios

(Silêncio! Não digas nada…)

E sinto-me a saltar da cama,
nos seus abraços, nos seus beijos, na sua chama.
É tudo de novo que começa como se nunca tivesse acabado.
Eu sem querer que acabe para que ele não saia pela porta
e eu não tenha que ficar, de novo
na solidão do quarto, do nada.

A noite ficou pequena de tão intensa e bela,
que vou num barco à vela
ao vento, ao luar, rumo ao sonho.
Só me resta sonhar para que a vida valha a pena!