8 de maio de 2015

QUE CHATICE


Agora que está Sol e o tempo aqueceu, às terças vamos ao jardim.
A seguir ao almoço, logo que chega a menina Sónia.
Ainda muito nova, tem um sorriso bonito e olhos verdes irrequietos.
Cabelo louro muito apanhado e mãos que não param enquanto fala.
Parece estar sempre muito contente. Ainda bem.
Foi a doutora, que manda nisto, quem nos apresentou a menina Sónia.
Veio para animar a gente. Animar a gente! Deixa-me rir.
A mim trata-me por avô. Tenho dois netos mais velhos que ela, por isso.
Como ainda ando e a bengala esqueço-a por todo o lado
como quem se esquece de guarda-chuva quando pára de chover,
a menina Sónia pôs-me a empurrar a cadeira de rodas da dona Alice.
Diz que somos os namorados. A Alicinha, como ela a trata, e eu.
Sou viúvo há quase seis anos e já não tenho pachorra para namoros.
A dona Alice sorri sempre muito, para mim, num esgar de pescoço torto,
a olhar para trás, para onde vou a empurrar-lhe a cadeira.
De vez em quando diz qualquer coisa que eu não percebo.
O acidente vascular deu-lhe cabo do que restava de cérebro,  
as palavras são soluços mastigados, sem nexo, enquanto treme do queixo.
Umas vezes digo que sim com a cabeça. Outras, digo que não.
Nem sei se acerto na resposta o que também pouco interessa.
Os outros, que parecem santos de andor, trémulos e inseguros,
lá vão pelo passeio, encostados uns aos outros, de mãos dadas 
ou nas bengalas a tactearem o caminho como se tivesse minas.
Um quarto de hora na ida; um quarto de hora na volta.
No jardim ficamos meia hora, por vezes um pouco mais.
Às vezes leio o jornal. Outras, leio umas páginas do livro que ando a ler.
A menina Sónia parece divertida nos jogos que inventa para todos.
Não sei quando comecei a andar. Não me lembro, pronto.
Lembro-me da minha mãe dizer que eu tinha começado a andar cedo.
Aos dez meses. Estou, então, a andar há oito décadas.
Mais coisa menos coisa já é muita coisa. E tenho sorte, dizem.
Eu também acho! Mesmo que tenha de empurrar, às terças-feiras
quando está Sol e faz calor, a cadeira de rodas da dona Alice.
Que chatice!