5 de novembro de 2014

A BELEZA DAS COISAS QUE NÃO EXISTEM

Às vezes, quando vou pelo caminho, 
a amarrotar pensamentos,
acho que a beleza é mais uma invenção
para darmos nomes às coisas que não existem.
Oiço, ao longe, o violino do vagabundo
a ensaiar sons que se despenham, nota após nota,
como contas de um colar quebrado
se espalham pelos degraus duma escada.
Vejo-o à esquina da recordação
sentado no seu tripé de madeira triste
o queixo magro de pelos brancos a fixar o instrumento
os olhos só pálpebras apagadas
o casacão desengonçado, as calças já curtas de gastas,
o chapéu virado entre os sapatos sem idade.
E, oiço a sua voz sumida pelos desfavores da vida:
"O violino parece que chora. Não acha?"
Talvez sim! Respondo que 'sim'
com o silêncio de um leve abanar de cabeça.
Deixo cair duas moedas no chapéu virado
e sigo a ouvir o violino agradecer.
Há beleza nisto?
Talvez para um pintor, poeta, fotógrafo...
Ah! A beleza infame das coisas reais!