20 de julho de 2020

DORNES


Entramos na língua de terra onde se fez História
onde ficou guardado, tempos e tempos, um segredo
segredado de memória em memória.
Ao fundo, a torre romana de rara nobreza
outrora templo de cavaleiros sem medo,
cruzes nas vestes, espadas em guarda leal,
uma igreja, paredes brancas manchadas de Sol,
e um caminho único por entre o casario.
No silêncio tranquilo das curvas de um rio
de águas mansas e frias, margens de verde e beleza,
a escorrerem sombras e murmúrios da natureza.
Um coração a bater apressado no sonho, um arremesso,
um pedaço de paraíso com momentos sem preço!

BALEAL


O tempo construiu uma ponte de areia
aos ilhéus de Terra, Pombas e de Fora
O mar, mesmo bravo, não mais separou
e para sul, ficou um corpo de baleia

rochoso, umas vezes áspero de vento, 
outras dourando ao Sol, mas tão belo,
que o nosso olhar anseia e se demora,
ali mesmo, para estar sempre a vê-lo
não vá perder-se na nossa desmemória.
E, à noite, numa esplanada de estrelas
há prata, em volta, nas águas inquietas
moldura brutal para um retrato de beleza.
Obrigado, natureza!

14 de julho de 2020

AFINAL ERA TÃO SIMPLES

Reuni a coragem pública para fechar o dia abrindo com o que pode guardar um coração, naquele que foi um dos períodos mais atribulados da minha adolescência.
O tempo das paixões!
Uma sucessão vertiginosa de renúncias que se acumulavam, perseguidas pelo temor de ouvir "um não", desenhado nuns lábios indelicadamente trocistas. Nos delas, claro!
A minha baixa autoestima insultava-me à frente do espelho, penitência pela envergonhada conduta que gerava sucessão de dilacerantes desamores, guardados no mais profundo dos esconsos do meu coração.

O tempo em que todas eram lindas!
A morena dos olhos negros, a ruiva das sardas e olhos mar, a professora de história, a hospedeira do prédio em frente, a loura das tranças e dos soquetes laranja, a franja risonha com o vestido dos malmequeres verdes, a amiga da ruiva, do cabelo negro à "garçon" e calções com suspensórios.
O tempo dos treinos das palavras!
Estudava frases, passes, gestos, incutia a mim mesmo uma vontade inabalável de empurrar a decisão e depois, chegava o momento, chegava ela e eis que a coragem se ia pelo cano e assim ficava remordendo as palavras imprestáveis.
Mais valera o sofrimento de Tristão por Isolda, de Romeu por Julieta, de Pedro por Inês, de Sansão por Dalila, de Páris por Helena, de Marco António por Cleópatra, de Vadim Maarslov por Mata Hari que embora tivessem acabado mal, pelo que é conhecido, viveram amantíssimos enquanto estiveram vivos!

Um dia fez-se um clique qualquer e - já nem sei bem como - foi nas férias quando fomos à matinée no cine Caparica ver o "Alamo" - enquanto o David Crocket ia despachando o exército de Sant' Anna - quase torci o pescoço para lhe dar um beijo na boca, meio desajeitado e ela olhou para mim sem surpresa, sorriu, deu-me a mão, pôs a cabeça no meu ombro e ficámos a namorar(?) o resto daquelas férias!
Afinal era tão simples...

11 de julho de 2020

EU CONHEÇO-TE!

Eu oiço os teus passos mesmo antes de apareceres.
Eu vejo os teus olhos mesmo sem me olhares.
Eu conheço os teus gestos mesmo quando dormes.
Eu sinto a tua respiração mesmo quando não estás.
Eu conheço-te!

E, vinhas de longe, nas cartas de letra redonda
embrulhadas em sobrescritos azuis
com aquelas bolinhas desenhadas sobre os "is"
que terminavam sempre com uns lábios num beijo
antes do nome pelo qual gostavas que eu te chamasse.

Chegavas e ficavas comigo, à beira mar, sobre as rochas,

onde te lia e relia, a ouvir os ecos do mar e de ti.
Cada encontro era uma espécie de desencontro
sempre nos encontrávamos, como se fosse a primeira vez
sempre com aquela sombra de que seria a última,
sempre com a sensação de que um de nós estava de partida.

E, no entanto, durante anos, paixão foste festa e vício,
rosa e cicuta, ranço e perfume, mel e azedume
um extremo e o outro, sem equilíbrio, sem termo médio,
sem palavras certas para tanto fogo e tanta magoa.
Com paixão vivi que sem poder viver com ela
sem ela, não viveria..

Amarei outras mulheres? Ou amar-te-ei em outras?

SUAVE COMO UMA PENA




Quem explode de raiva
também pode explodir de amor!
A vida já é uma corrida.
então quando acariciar, abraçar, beijar,
demore o tempo que desejar...
mas seja suave, como uma pena.

HÁ UM MISTÉRIO QUALQUER

Há um mistério qualquer nestas noites de Verão em que os céus se mostram tão arrumados para além da transparência com a Lua, quase redonda, no sítio certo e duas Ursas, Orion, Cassiopeia, Touro mais algumas parece desenhadas a régua e esquadro no inalcansável do espaço como lantejoulas prata no xaile negro da fadista.
Há um mistério qualquer nestes momentos que desejamos em "câmara lenta" como demoramos no paladar a garfada do nosso pitéu favorito ou um gole de bom vinho; atrasamos a mão naquele afago por um corpo que estremece por dentro ou a tremura de uns lábios que se demoram naquele beijo sedutor.
Há um mistério qualquer nestes momentos que contrariamos a pressa do tempo para sentirmos, mais tempo, o Paraíso.