22 de junho de 2021

VERÃO

 

Há tanta coisa linda p'ra sentir neste azul dourado
que não sei se sonho, acordado
se continuo a sonhar o sonho das noites longas

Nasce o Sol por cima do monte
e a vida nasce com ele. sinfonia de cores e sons
um quadro de fantasia. harmonia
pelo dia que escorre
lá no alto de tudo, mais alto que nunca aquece-nos a alma.
Entardece tarde o dia
que incendeia o azul, na linha do horizonte,
e a noite de lua cheia brilhante
num escuro cintilante
vê-se no espelho de prata, nas águas e nas sombras.

As palavras sabem a amor, numa paz amena
e nos meus lábios, o gosto do teu beijo salgado.
Pelo teu corpo anda o perfume da alfazema.









21 de junho de 2021

ANUNCIA-SE O VERÃO


Adormecer na Primavera e amanhecer no Verão e saber tudo a Inverno.

O solstício foi às quatro e trinta e um da madrugada - chovia a potes - e até quarta feira estamos nisto. Convencido da inevitabilidade do desaforo dos deuses e da desordem dos elementos, há muito que deixei de me surpreender com estes falhanços da ordem natural das coisas que será mera ilusão de um caos disfarçado que sempre existiu e que nós, pobres humanos, tentamos ordenar algumas vezes mas, sempre com a nossa arrogante inteligência, outras vezes aceleramos ainda mais contribuindo para que a natureza ainda fique mais desarrumada.
O Verão chegará, que ninguém duvide!
Ainda a tempo e, sem surpresa, se ouvirá muita gente - uuuuuuuufffff!!!! isto é calor a mais!!! quem me dera uma chuvinha para nos livrar desta seca - ansiar que um pequeno caos venha amenizar a ordem natural das coisas.

20 de junho de 2021

A PASSAGEM

 


 

Quando a porta está aberta vejo o lado de lá.

Parede branca, no lado esquerdo, um poema escrito na parede como tela em moldura invisível, encimando um armário em metal cinzento com uma pilha de pastas de cartolina, em cima, cuja função ou proveniência não consigo identificar.

O rodapé é de mosaico com os mesmos motivos dos mosaicos do chão, pintalgados, a preto e branco. Tudo no outro lado parece a preto e branco como numa foto já longínqua ou talvez recente mas como se artista tivesse preferido um "flash" mais monocromático.

Quando a porta está fechada vejo apenas o lado de cá.

E a porta, claro!

Do lado de cá, por cima da porta, há uma fileira de quatro leds e logo acima desta, um dístico verde com um boneco branco a correr para uma escada indicando uma saída em caso de emergência.

Emergência!

É por isso que a porta tem a meio uma barra metálica que serve para que se abra rapidamente "para fora". Mas, não é verdade que haja portas que abram para fora. As portas abrem todas para um lado. Não abrem para fora pois quando abrem para fora, abrem também para dentro de outro lado. Abrem para fora porque as empurramos mas, do outro lado abrem para dentro porque as puxamos.

Hoje, alguém deixou um chapéu de chuva encostado à parede do lado de cá, junto à ombreira do lado direito. O dia tem estado irregular pois amanheceu com Sol mas, já ao início da tarde, o céu escureceu, entristecendo o cenário lá fora.

Terá sido alguma corrente de ar que fez bater a porta, fechando-a num estrondo? Não sei! 

Mas sei que as portas fechadas, como não deixam ver o outro lado isolam a nossa visão, mas dão-nos asas à nossa imaginação e é como se ficássemos com olhos virados para dentro da cabeça. Os nossos sonhos tão infinitamente libertários não têm portas que os encerrem.

 

Mário Jorge, in "Projecto Livros XXI