14 de novembro de 2014

E DEPOIS...

Nestes dias em que a chuva não descansa,
o vento agita esqueletos de árvores,
varre restos de Outono, numa dança. 
e o cenário perde as cores naturais, 
Tudo fica mais sombrio sem luas redondas 
nem estrelas intermitentes.
Não há nada que dê maior conforto 
que os escaldantes reflexos da lareira acesa,
por perto, um cadeirão envolvente, 
uma manta bem quente,
e o livro que se elege, companheiro de horas, 
o longínquo "Capri c'est fini" do Hervé Villard
ainda com a mesma voz do tempo do vinil.
E depois... 
depois, acontece o teu sorriso 
que, sem que eu saiba porquê, ainda mexe comigo
ainda me faz voltar, adolescente,
aos tempos do quando tudo era tão tranquilo 
e brilhante como um céu azul.


13 de novembro de 2014

O DIA ACORDOU CHUVENTO


O dia acordou com chuva e vento.
E eu lamento!
Porque não gosto de chuva.
Porque não gosto de vento.
Seria bem melhor que o dia tivesse acordado com Sol.
Seria bem melhor que o dia tivesse acordado sem vento.
Mas, não. Acordou 'chuvento'...

VIVER


Partida e chegada
fuga e regresso
fazer e desfazer
fome e abastança
mar e terra
decepção e esperança
alegria e tristeza.
ódio e paixão

Choro e risada
fracasso e sucesso
prazer e desprazer
tempestade e bonança
paz e guerra
esquecimento e lembrança
indecisão e firmeza
calma e agitação

Montanha russa, perigo de morte
jogo de azar e de sorte.
Viver é uma grande aventura
enquanto dura!


1989, 9 DE NOVEMBRO

A parede que envergonhou a História
durante o tempo do medo,
acabou, por fim, despedaçada.

O Homem volta a ter memória
A Liberdade já não é segredo
A Vida já não anda amordaçada.

( 25º aniversário da queda do muro de Berlim )


5 de novembro de 2014

CHEGUEI ILHA ! AQUI ESTOU.

Vou passar a chamar ilha a este lugar, embora não veja o mar.

Tem colina com pinheiros bravos, tão altos e esguios
que dançam lentamente ao som do vento norte;
tem jardim com corolas de mil cores e as rosas de Alexandria
que exalam o perfume das essências raras;
tem campo de mirtilos até onde a vista alcança
onde o Sol se deita, ao fim da tarde
como se fosse linha de horizonte;
e tem o silêncio que as ilhas têm.

Mas, ao amanhecer, a luz entra pela janela do quarto
vigia de barco ancorado
e olho os campos, em frente, verdes, verdes...
e é então que oiço o mar!

A BELEZA DAS COISAS QUE NÃO EXISTEM

Às vezes, quando vou pelo caminho, 
a amarrotar pensamentos,
acho que a beleza é mais uma invenção
para darmos nomes às coisas que não existem.
Oiço, ao longe, o violino do vagabundo
a ensaiar sons que se despenham, nota após nota,
como contas de um colar quebrado
se espalham pelos degraus duma escada.
Vejo-o à esquina da recordação
sentado no seu tripé de madeira triste
o queixo magro de pelos brancos a fixar o instrumento
os olhos só pálpebras apagadas
o casacão desengonçado, as calças já curtas de gastas,
o chapéu virado entre os sapatos sem idade.
E, oiço a sua voz sumida pelos desfavores da vida:
"O violino parece que chora. Não acha?"
Talvez sim! Respondo que 'sim'
com o silêncio de um leve abanar de cabeça.
Deixo cair duas moedas no chapéu virado
e sigo a ouvir o violino agradecer.
Há beleza nisto?
Talvez para um pintor, poeta, fotógrafo...
Ah! A beleza infame das coisas reais!  


UM ÍMPETO REFORMADOR


No gabinete ministerial
sua excelência, o doutor
num ímpeto reformador
decretou que, sem gente
em número suficiente
não haveria local
que merecesse existir.
E, assim levou por diante
um despacho arrepiante
para uma terra interior
que se dizia deserta.
Fechou o Tribunal,
uma escola primária
e também a secundária,
correios, finanças, bombeiros,
mais a extensão do hospital.
Depois foi-se o caminho de ferro
e, por fim, o posto da guarda.
Ó da guarda, quem nos acode!
gritou a gente na praça
que, afinal, havia gente
querem lixar o pagode.
Isto não é reforma, é desgraça!
E desgraça cheira a enterro.
Sua excelência, o doutor,
continuava a despachar
e a cortar, cortar, cortar..
Era tamanha a reforma
e misterioso o critério,
uma cruz no nome do local
no mapa, um enorme cemitério,
e fica o país sem gente
ou a gente sem país!
Mas foi uma excelência, um doutor,
que num ímpeto reformador
assim quis...