11 de maio de 2020

06:00

06:00
Era madrugada,
um sobressalto, vindo do nada.
a locomotiva amarela passou por dentro de mim,
a apitar estridente,
sem carruagens atrás, nem na frente,
sem princípio, sem meio, nem fim.
Fiquei a pairar, astronauta sem nave,
suave, num lugar extraordinário
buraco negro com falta de cenário,
sem céu, sem lua, sem estrelas a brilhar
sem mar, sem praia, sem linha de horizonte
sem árvore, sem rio, sem vale, sem monte
sem terra, sem chão, sem caminho para andar.
Gritei um grito gritado de dentro de mim,
mas não ouvi nada nem o próprio grito.
Olhei para dentro de mim, aflito
e lá estava ela, a locomotiva amarela a piscar
com dois olhos vermelhos,
um zero e seis no esquerdo
e o direito com dois zeros.
Vou fingir que está tudo bem, pensei,
isto é pesadelo, partida de mau gosto
ou sirene para alerta de fogo posto.
E, foi assim que acordei.
Fazer a barba, escovar os dentes, durante o duche.
meia chávena de café e um ‘croissant’ no bucho.
Vestir, calçar, pegar a pasta e correr para o carro.
Chego à estação central com o comboio a partir
apinhado de gente sonolenta que já não sabe sorrir
Todos os dias, gente que vejo sem conhecer
e ninguém me conhece, a mim.
Gente que, como eu, finge que está tudo bem
e que a vida tem mesmo que ser assim.

TENTAÇÃO

Resistirei a sentir-te, sedução
olhar-te nos olhos risonhos
tocar-te nos lábios macios
despir-te na minha imaginação
meter-te nos meus sentidos vazios
deixar-te entrar no meu coração.
Resistirei a sentir-te, tentação
quando invades os meus sonhos!

Resistirei a sentir-te, inquietação
quando invades os meus sonhos!