Isso não
tem nada demais. Coisa simples.
O meu
primo Zé Francisco deu-me uma palmada nas costas
Mais
velho do que eu três anos. Com dezassete era tão experiente…
A tua mão
esquerda aperta a mão direita dela. Assim.
A tua mão
direita em volta da cintura dela, Assim.
Deixas-te
ir com a música, avanças com a perna direita, dois passos,
e segues
com um para o lado e dás um quarto de volta,
pela
esquerda ou direita, tanto faz; por onde te der mais jeito…
ao mesmo
tempo vais chegando-te a ela, percebes?
Logo no
início, não. Dá-lhe tempo. Mas não muito, senão acaba-se a música.
Ah, é
verdade! Pormenor importante. O joelho. Vais metendo o joelho. OK?
Eu agarrado
a um vestido comprido pendurado num cabide.
A voz
meiga da Françoise Hardy, no gira discos do tio Reinaldo,
‘tous les
garçons et les filles de mon age se proménent'
a
quarenta e cinco rotações por minuto Ó
pá, atenção a esse joelho!
E o
vestido da minha prima Teresa pendurado no cabide.
Sem
braços, sem pernas, sem joelhos.
Aquela do joelho só servia para atrapalhar. Que mania!
Aquela do joelho só servia para atrapalhar. Que mania!
Eu só
queria dançar com a Maria João. Nessa noite, no baile da pensão.
As
tranças muito loiras, os olhos muito azuis, tão grandes sempre a sorrirem,
os lábios
cor de morango a pedirem um beijo,
a cintura
tão fininha a pedir a minha mão, as pernas de bailarina.
Tás mas é
apaixonado!’ Zé Francisco com uma careta trocista.
Se estar
apaixonado era estar sempre a vê-la
mesmo quando fechava os olhos. Então estava apaixonado!
mesmo quando fechava os olhos. Então estava apaixonado!
Ao jantar
comi pouco. Tremura no estômago. Nó na garganta.
A minha
tia a insistir. ‘E tu que gostas tanto de croquetes…’ Mais um, pronto.
A minha
prima a opinar sobre a minha falta de apetite
uma
canelada minha por debaixo da mesa
o olhar severo do Zé Francisco, a impor-lhe silêncio.
o olhar severo do Zé Francisco, a impor-lhe silêncio.
Cadeiras
e mesas dispostas em meia-lua, na esplanada da pensão.
No céu,
estrelas em volta da lua mais de meia.
O dono da pensão cedeu o gira-discos e a aparelhagem sonora.
Quase
toda a gente se conhecia, os hóspedes de férias.
As conversas entre famílias; a esplanada foi-se enchendo.
As conversas entre famílias; a esplanada foi-se enchendo.
Zé Francisco tinha
trazido consigo a Françoise Hardy.
Dizia-me que era para eu não dar barraca. Mais seguro.
Dizia-me que era para eu não dar barraca. Mais seguro.
O dono da pensão abriu o baile, com a filha que era professora.
Uma valsa. Passados minutos, juntaram-se-lhe mais pares.
Uma valsa. Passados minutos, juntaram-se-lhe mais pares.
Quando a
música acabou todos bateram palmas…
Depois
mais uma valsa; depois um tango.
Zé
Francisco foi dançar com uma magricela com cabelo de anémona,
e
tentáculos de lula que se emaranhavam em volta dele.
O tango
já ia avançado quando vi aparecer Maria João.
De
repente passei a ter um motor de fórmula um, dentro do peito,
deixei de
ouvir a música e de ver o que se passava à minha volta.
A Maria
João à minha frente, tranças louras, olhos muito azuis,
lábios
cor de morango, cintura muito fina, pernas de bailarina,
vestido
vermelho com bolas azuis, sandálias de tiras vermelhas e azuis
e eu com
um motor de fórmula um, dentro do peito…
Sem saber
muito bem como foi, no segundo seguinte, estava lá, ao lado
dela
o meu primo num voo supersónico rumo ao gira discos de Françoise Hardy em punho,
eu a perguntar, ‘Queres dançar comigo?’ e ela a olhar para mim ‘Quero, pois…’
o meu primo num voo supersónico rumo ao gira discos de Françoise Hardy em punho,
eu a perguntar, ‘Queres dançar comigo?’ e ela a olhar para mim ‘Quero, pois…’
As tranças azuis mais compridas, o sorriso a rasgar os olhos de morango,
os lábios
a dançarem como pernas de bailarina….
e o fórmula
um, na casa de partida, a arrancar ensurdecedor,
num barulho
de aurículas e de ventrículos à desgarrada
‘tous les
garçons et les filles de mon age’ a quarenta e cinco rotações por minuto
Maria
João agarrada a mim e eu a medir os passos para a esquerda,
a volta para
a direita, ela mais chegada a mim. Quando é que meto o joelho?
as mãos dela pousaram nos meus ombros, os braços
dela em volta do meu pescoço,
os olhos dela a fitarem os meus, numa confusão de morangos azuis e de olhos louros,
o ar cheirava a lavanda e como cheiravam bem os braços nus da Maria João…
os olhos dela a fitarem os meus, numa confusão de morangos azuis e de olhos louros,
o ar cheirava a lavanda e como cheiravam bem os braços nus da Maria João…
A Françoise
Hardy calou-se e eu consegui ouvi-la num sussuro
‘Olha, já
acabou…foi bom! Queres dançar mais uma?
E eu, ainda, com o motor de fórmula um numa confusão de aurículas e ventrículos.
‘Pode ser.
Queres ser minha namorada?’
E ela com
os morangos a sorrirem e dois lagos azuis no lugar dos olhos
‘O meu pai
não me deixa namorar. Só me deixa dançar...'’
E eu de fórmula um gripado, mesmo sem aurículas e nem ventriculos.
‘Então está
bem. Dançamos só…mas quando o teu pai deixar, avisas-me?!’.