14 de novembro de 2014

E DEPOIS...

Nestes dias em que a chuva não descansa,
o vento agita esqueletos de árvores,
varre restos de Outono, numa dança. 
e o cenário perde as cores naturais, 
Tudo fica mais sombrio sem luas redondas 
nem estrelas intermitentes.
Não há nada que dê maior conforto 
que os escaldantes reflexos da lareira acesa,
por perto, um cadeirão envolvente, 
uma manta bem quente,
e o livro que se elege, companheiro de horas, 
o longínquo "Capri c'est fini" do Hervé Villard
ainda com a mesma voz do tempo do vinil.
E depois... 
depois, acontece o teu sorriso 
que, sem que eu saiba porquê, ainda mexe comigo
ainda me faz voltar, adolescente,
aos tempos do quando tudo era tão tranquilo 
e brilhante como um céu azul.


13 de novembro de 2014

O DIA ACORDOU CHUVENTO


O dia acordou com chuva e vento.
E eu lamento!
Porque não gosto de chuva.
Porque não gosto de vento.
Seria bem melhor que o dia tivesse acordado com Sol.
Seria bem melhor que o dia tivesse acordado sem vento.
Mas, não. Acordou 'chuvento'...

VIVER


Partida e chegada
fuga e regresso
fazer e desfazer
fome e abastança
mar e terra
decepção e esperança
alegria e tristeza.
ódio e paixão

Choro e risada
fracasso e sucesso
prazer e desprazer
tempestade e bonança
paz e guerra
esquecimento e lembrança
indecisão e firmeza
calma e agitação

Montanha russa, perigo de morte
jogo de azar e de sorte.
Viver é uma grande aventura
enquanto dura!


1989, 9 DE NOVEMBRO

A parede que envergonhou a História
durante o tempo do medo,
acabou, por fim, despedaçada.

O Homem volta a ter memória
A Liberdade já não é segredo
A Vida já não anda amordaçada.

( 25º aniversário da queda do muro de Berlim )


5 de novembro de 2014

CHEGUEI ILHA ! AQUI ESTOU.

Vou passar a chamar ilha a este lugar, embora não veja o mar.

Tem colina com pinheiros bravos, tão altos e esguios
que dançam lentamente ao som do vento norte;
tem jardim com corolas de mil cores e as rosas de Alexandria
que exalam o perfume das essências raras;
tem campo de mirtilos até onde a vista alcança
onde o Sol se deita, ao fim da tarde
como se fosse linha de horizonte;
e tem o silêncio que as ilhas têm.

Mas, ao amanhecer, a luz entra pela janela do quarto
vigia de barco ancorado
e olho os campos, em frente, verdes, verdes...
e é então que oiço o mar!

A BELEZA DAS COISAS QUE NÃO EXISTEM

Às vezes, quando vou pelo caminho, 
a amarrotar pensamentos,
acho que a beleza é mais uma invenção
para darmos nomes às coisas que não existem.
Oiço, ao longe, o violino do vagabundo
a ensaiar sons que se despenham, nota após nota,
como contas de um colar quebrado
se espalham pelos degraus duma escada.
Vejo-o à esquina da recordação
sentado no seu tripé de madeira triste
o queixo magro de pelos brancos a fixar o instrumento
os olhos só pálpebras apagadas
o casacão desengonçado, as calças já curtas de gastas,
o chapéu virado entre os sapatos sem idade.
E, oiço a sua voz sumida pelos desfavores da vida:
"O violino parece que chora. Não acha?"
Talvez sim! Respondo que 'sim'
com o silêncio de um leve abanar de cabeça.
Deixo cair duas moedas no chapéu virado
e sigo a ouvir o violino agradecer.
Há beleza nisto?
Talvez para um pintor, poeta, fotógrafo...
Ah! A beleza infame das coisas reais!  


UM ÍMPETO REFORMADOR


No gabinete ministerial
sua excelência, o doutor
num ímpeto reformador
decretou que, sem gente
em número suficiente
não haveria local
que merecesse existir.
E, assim levou por diante
um despacho arrepiante
para uma terra interior
que se dizia deserta.
Fechou o Tribunal,
uma escola primária
e também a secundária,
correios, finanças, bombeiros,
mais a extensão do hospital.
Depois foi-se o caminho de ferro
e, por fim, o posto da guarda.
Ó da guarda, quem nos acode!
gritou a gente na praça
que, afinal, havia gente
querem lixar o pagode.
Isto não é reforma, é desgraça!
E desgraça cheira a enterro.
Sua excelência, o doutor,
continuava a despachar
e a cortar, cortar, cortar..
Era tamanha a reforma
e misterioso o critério,
uma cruz no nome do local
no mapa, um enorme cemitério,
e fica o país sem gente
ou a gente sem país!
Mas foi uma excelência, um doutor,
que num ímpeto reformador
assim quis...

28 de outubro de 2014

COMO NOS VELHOS TEMPOS

Na fugaz claridade de mais um dia 
que desponta atravessando o cortinado,
sinto a tua presença, ao meu lado,
por entre lençóis, naquele ruído de voo sem asas,
ao meu encontro.
O teu braço, abraça a minha cintura
a tua perna enrosca-se na minha
o teu respirar.
Não dizes nada e eu também nada.
Deixo-me apenas ficar.
Não estou a sonhar. Ainda bem!

Hoje, nem sei explicar,
mas precisava de acordar, assim. 
como nos velhos tempos.
.

24 de outubro de 2014

A PRETO E BRANCO

A noite traz sombras antigas, a preto e branco,
como nos filmes da minha infância.
Nesse tempo, eu não gostava da noite.
Mais do que as sombras, era o preto de que era feito o escuro
que me causava aquele nó na garganta; aquela ânsia.
Nem uma pontinha de branco para me atenuar o susto.

Por isso também não gostava daquela amiga da minha avó
que se vestia sempre de preto, da cabeça aos pés
que lhe dava aquele ar de noite infeliz
Longo casaco astracan preto, um palmo de canelas pretas 
que espreitavam entre o bordo do casaco e os botins de meio salto.
E, depois, aquelas luvas pretas que me deixavam petrificado 
quando me afagavam a cabeça.
Era então que descia ao nível da minha cara, 
o chapelinho preto com meio véu preto,
aqueles dois olhinhos envidraçados, piscos e míopes,
a face levemente rosada pelo rouge de odor enjoativo,
e sentia os lábios esborratados de baton discreto
num beijo trémulo que me deixava marca na testa.

Nunca tive um enfarte.
Talvez fosse demasiado criança
para falhas circulatórias dessas ou outras complicações.
Semicerrava os olhos, via apenas aquele vulto escuro
e ouvia uma vozinha trémula, dizer para a minha avó 
como se falasse no escuro de noite
e não quisesse acordar as sombras. 
"Tem um netinho que é um amor...uma criança feliz.".
A minha avó sorria, e eu num profundo terror
de que ela se lembrasse de pedir.
"Dá um beijinho à dona Beatriz".

18 de outubro de 2014

TOADA DOS MIL SEGREDOS

A mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
no lugar do coração.
juntara tantos medos
mais tamanho preconceito
que ao padre se confessava
depois da missa contava
dos outros, como se fossem dela.
P'ra receber o perdão
em seu peito acumulava
incontáveis penitências
e dos outros, indecências
ia ouvindo, mais e mais.
Segredos eram aqueles?
Pecados sim. E mortais!

E, assim fez durante anos
a mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
no lugar do coração.
Se a aldeia inteira sabia
que confiar só podia
nela e em ninguém mais
a fama saiu pelos montes
saltou rios, galgou pontes
espalhou-se pelos vizinhos.
Mais segredos a pedido
a mulher foi guardando
e ao padre confessando
como se fossem seus.
Tantos eram já os pecados
que o padre foi ao bispo
'Que me aconselhais, senhor,
que estais mais perto de Deus'.
E, do bispo regressou
com missão bem espinhosa.
A mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
no lugar do coração
entraria num convento
passando o resto da vida
em clausura total
até que um dia a morte
tirasse a sua vida em sorte
e viesse prá levar.

A mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
no lugar do coração
quando soube a notícia
ali na sacristia
caiu redonda no chão.
Sem um ai, sem um ui!
Mas, nem um minuto após
lívida, estrebuchou tanto
em tamanha a gritaria
em tão desmedido pranto
que o povo acorreu à porta
a saber o que seria.
A mulher calou-se, então
e já todos a julgavam morta
quando ela se levantou do chão
e olhando a multidão, disse: 
'Eu sou a mulher que trago
o que é vosso, em segredo,
por penar as vossas culpas
me condenam ao degredo
sem mais ver a luz do dia
sem mais palavra dizer.
Pois não quero carregar
pecados que não são meus
e aqui juro perante Deus
que nunca mais vou ouvir
nada, de nada, de nada.
E o padre mandou-a em paz

E a partir de então, 
a mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
não juntaria mais medos
no lugar do coração
Ninguém mais confiaria
coisas simples ou banais
fossem pecados mortais
mas segredos perdidos, não!

AGUARELA

Das serras por veredas, a vida decide
até que chega à planura onde se divide
em mil braços para abraçar o mundo.
No horizonte, as asas brancas dos moliceiros
parecem mais alinhadas na água dos carreiros
que transforma o lodo em chão fecundo.
Na moldura das salinas, de branco aparece
o sal da vida, pequenos montes. E, permanece
transformando o charco em chão fecundo.
No canal principal e no outro, de nome santo
desfilam arco iris de casario. Um encanto
de mil braços para abraçar o mundo.

17 de outubro de 2014

CAFÉ CENTRAL

Chamava-se Café Central e ficava no centro do largo.
E o largo era o centro de tudo.

No Verão, quando a vila se animava mais
com toda aquela gente, que vinha de fora,
à procura do cenário ideal para descansar o corpo
e temperar a alma, dos distúrbios de um ano de cidade,
uma fila de cadeiras e mesas em verga amarela e azul,
esticava-se pelo passeio, encostada à parede do edifício do clube, 
para ter uma sombra e ganhar a brisa do fim de tarde.

Eu comprava o jornal no quiosque junto ao coreto

e sentava-me na última mesa, quase à porta do clube,
a passar os olhos por notícias que mal lia, por fotos que mal via.
Vinhas naquele vestido de algodão, leve como pluma,
cor azul, céu de primavera e corolas esverdeadas
a querer voar-te do corpo a cada passo que davas.
Acenavas-me, ainda de longe, do outro lado do largo,
e eu já a sentir os teus lábios no sorriso dos olhos,
e o cheiro a alfazema que saltava da tua pele
onde o Sol deixava sempre uma camada dourada.

Depois íamos, por ali fora, junto à muralha do castelo,

ao fim da tarde, mãos dadas, a ouvir o bater de asas e o piar
das gaivotas que pairavam círculos, em contra-luz,
sobre barcos pousados no espelho da baía.
Umas vezes falávamos de tanta coisa, 
outras, de nós também. 
Sem planos para aquele quase paradoxo
de nos querermos, sem nos termos.
Ou de nos termos mais um ano, todos os anos,
naquele mês de estranho encantamento.

Ate que, um Verão, esperei todo o tempo do mundo,

que era o que tu me dizias que nós (ainda) tínhamos,
quando avançava futuros onde cabíamos os dois.
Não houve mais vestido cor de primavera
nem cheiro a alfazema a sair da pele, nem sorriso nos olhos.
No ano anterior, nas asas de uma gaivota,
tinha dito que te amava e ficaria contigo para sempre.
Não sei se foi por medo da eternidade mas tinhas razão. 

Nada é eterno.

Nem o Café Central. 
Nesse ano cedeu lugar a um banco...

15 de outubro de 2014

A FLOR DE QUEM ME QUER

Começo por mal me quer 
primeira pétala arrancada,
na segunda é bem me quer, 
depois muito, pouco e nada.

Mal me quer
ou bem me quer, 
muito,
pouco,
nada! 

Dizem que és mentiroso,
um dia assim, outro assado.
Eu desfolho-te ansioso
tu deixas-me desolado.

Mal me quer
ou bem me quer,
muito,
pouco,
nada!

Seja o que for, pode ser,
na última separada.
Acaba como quiseres
eu já não creio em nada.

Mal me quer,
ou bem me quer,
muito,
pouco,
nada!

10 de outubro de 2014

UM QUASE SONETO PARA UM AMIGO INTEIRO

Não preciso que sejas como sou,
nem que gostes do que gosto;
Nem que andes por onde vou
ou apostes no que aposto.

Não te procuro, onde estou
no Natal, Primavera ou Agosto.
Dás o que dás; dou o que dou
parece absurdo, assim é suposto.

Amigo, que não és para ocasiões.
És presente, quando estás ausente
e assim serás eternamente.

A amizade está nos corações.
Útil sem ser utilidade mas persiste

e basta, só porque existe.

9 de outubro de 2014

É A VIDA...

A vida é curva longa e perigosa, 
estrada estreita e complicada.
A descer é rápida, vertiginosa
quando sobe é lenta e demorada.

A vida nunca é com'a queremos,
mas passamos a vida a tentar.
A vida é sempre mais ou menos,
mas não há outra p'ra gastar.

Um dia, quando a vida me cansar,
fecho a porta e vou-me embora.
Nem mais um dia quero esperar,
nem sequer mais uma hora.

8 de outubro de 2014

FADO À ESPERA DUMA GUITARRA

Voltaste de noite e sem lua,
sem amargura, 
nem desejo de vingança.

E eu, à porta da rua, 
a olhar-te como se olha uma lembrança.

E vi-te de alma nua,
tão despida
mas tão cheia de esperança
que te abracei num impulso, num ardor.

E disseste: Voltei e serei tua, 
se me quiseres, 
assim mesmo, como sou. .  

E eu, disse na sombra do olhar:
Perdoa-me, se puderes. 
Eu aqui estou. 

E ficámos assim, sem mais dizer,
um púcaro de vinho ao lado,
uma guitarra, baixinho a gemer,
silêncio que se vai cantar o fado
até o dia nascer..

A MINHA INFÂNCIA

Na minha longínqua infância,
havia aquele muro intransponível do quintal da minha avó
tão assustadoramente alto
que nem a minha imaginação se atrevia a dar o salto
para o outro lado.

Do lado de cá havia dois canteiros com flores de nomes estranhos,

um banco de tábuas castanhas e pés de ferro,
em frente a uma gaiola enorme onde pássaros amarelos e azuis
vivam em permanente agitação, à procura da saída 
e um pequeno lago redondo onde rodopiavam, sem descanso,
peixes verdes e vermelhos com reflexos alaranjados.

Passei esse ano, a cavalgar por planícies imaginárias, 

num cavalo de papelão com crinas e rabo de estopa
que eu pedira ao Menino Jesus e ele me deixara, 
na chaminé da cozinha, no último Natal.
Depois aparecia a minha avó e eu ia com ela
falar com os pássaros da gaiola, dar de comer aos peixes do lago
ou regar as flores com nomes estranhos
e era então que a minha avó me dizia que não conhecia o outro lado, 
porque nunca tinha espreitado  (era feio espreitar, dizia-me ela)
e eu ficava a olhar para o muro demasiado alto, tão alto 
que nem a imaginação da minha avó era capaz de transpor
e a censurar o Menino Jesus, que me dera aquele cavalo sem asas.

E, então lembrei-me que devia ter sido a minha avó que pedira

para me dar o cavalo sem asas,
para que eu não pudesse voar por cima do muro
e espreitar o outro lado da minha imaginação.

4 de outubro de 2014

IMAGINAÇÃO


Cerro os olhos até que cegos se abram para a beleza das coisas 
que ainda não foram inventadas.
Oiço no fundo da minha mente os sons de um instrumento perfeito, 
que geme a última nota de todas as sonatas.
Cheiro a flor de bem me quer e muito, corola de amizade, 
pétalas de vida de quem só se quer muito.
Saboreio os frágeis contornos do paraíso, ilha da felicidade  
voo de ave que passa sem deixar rasto.
Toco a leveza das bolinhas de sabão, frágeis como a esperança,  
coloridas e breves como risada de criança.

Dane-se a realidade se não alegra o coração.

Mate-se a racionalidade que não ordena a razão.

INSÓNIA


Permaneço quieto, exausto, na obscuridade do quarto, 
naquela lucidez inútil de não conseguir imaginar nada,
nem sequer um pedaço de sonho. 

Pisco os olhos, cerro as pálpebras, abro os olhos;

agora vou abrir muito os olhos para ver se consigo contar as tábuas do tecto do sótão
ou ponho os olhos para trás da cabeça, num esforço que me faz doer o pescoço
num esforço que faz doer a almofada.
Estou a tentar contar as barras de ferro da cabeceira da cama.
Inútil! Já nem contar sei.

Volto-me para a esquerda. Costumo adormecer melhor, de lado, para a esquerda.

Volto-me para a direita. Nunca adormeci virado para direita.
Aí estou, de novo, de costas no colchão, com os olhos muito abertos, colados ao tecto.
Doí-me o corpo; doí-me a alma...
Que alma? Eu não tenho alma. Só corpo!
Ah! E olhos! Também tenho olhos. Olhos abertos colados no tecto.
É verdade; e a boca seca...

Levanto-me. 

O quarto parece-me maior e o buraco escuro onde devia estar a porta, mais longe.
Não sei onde estão os chinelos, nem o roupão
e vou de pés nus, de corpo nu, de alma nua (eu já não tenho alma) não sei para onde.
Também não importa nada. 
O que eu não quero é este quarto, nem esta cama, 
nem esta lucidez inútil de não conseguir imaginar nada
nem sequer um pedaço de sonho.

19 de maio de 2014

CATARINA


Mulher tão jovem, já mulher maior
à frente de quantas outras que fazem da luta, a sua fé.
A revolta não tem volta, quando a vida ganha cor
Solta-se a voz, cala-se o medo, esconde-se a dor.
Mata-se a morte quando assim é!

(Cinquentenário da morte de Catarina Eufémia, Aveiro, 19 de Maio de 2004 ).

28 de abril de 2014

LIBERDADE


Poucos momentos atrás ouvi passos no corredor
ecos de agitação, a poucos metros da minha cela. 
Uma porta bateu com força e um homem gritou;
mas não me pareceu de dor
antes de espanto, ou de alegria, ou de amor
e eu não sabia que coisa era aquela.
Depois tudo se repetiu, uma e mais outra vez
já tinha contado por sete ou oito.
Ou nove; talvez dez!
E, aquilo fez-me desconfiar
que o que tinha ouvido, num segredo,
dias antes, quando o guarda me trouxe o jantar
afinal, podia ser verdade;
"Ah! Se fosse..", pensei eu. E, até tive medo.
Depois, vieram mais passos e mais vozes e mais gritos.
Pela pequena fresta lá no alto da parede junto ao tecto
começava a ouvir ecos do hino nacional...
ou seria a internacional?
Era de fora, da estrada, de dentro dos pinhais..
E havia gente a marchar, havia gente a gritar:
"Fascismo nunca mais"!
Depois, ouvi a chave dar a volta na fechadura
com aquele som metálico, frio,
quando se abria o terror da noite, um calafrio
a porta da minha cela abriu-se de para em par.
E, então tive a certeza!
E foi com os olhos em lágrimas, já baços
que me lancei nos braços
da Liberdade!

(Foi na madrugada de sábado, 28 de Abril de 1974, que as portas das celas de Caxias e de Peniche se abriram para a liberdade...)

26 de abril de 2014

GERNIKA


Subitamente,
das nuvens descem assassinos de hélices e asas,

abrem ventres metálicos e despejam ondas de terror
sobre gentes, animais, árvores, ruas, casas.
Toda a cidade fica mergulhada num manto de horror,
no sangue dos escombros e nos gritos dos cadáveres.
A revolta e a morte a preto e branco, ficam na tela do pintor.
Para sempre.

(Lisboa, 26 de Abril de 1987, "50º aniversário dos bombardeamentos de Guernica" ).

8 de março de 2014

PARABÉNS MULHER!!!


Mulher amor
Mulher afago
Mulher coração
Mulher beijo
Mulher ciúme
Mulher presente
Mulher flor
Mulher razão
Mulher distante
mulher abrigo
Mulher desejo
Mulher amante
Mulher tempestade
Mulher justiça
Mulher diamante
Mulher verdade
Mulher coragem
Mulher paz
Mulher fertilidade
Mulher frescura
Mulher aragem
Mulher força
Mulher loucura
Mulher mar
Mulher luta
Mulher revolta
Mulher ternura
Mulher guerra
Mulher luz
Mulher sorriso
Mulher lágrima
Mulher terra
Mulher liberdade
Mulher paraíso
Mulher eva
Mulher mãe
Mulher sempre mulher

Parabéns mulher,
não, apenas, pelo oito de Março.
Porque és muito mais que esse passo.


5 de março de 2014

CARNAVAL


Carnaval é uma festa pegada.
Uns divertem-se.
Outros não.
Carnaval é baile e mascarada.
Uns dançam.
Outros não.
Carnaval é alegria escancarada.
Uns riem.
Outros não.
Carnaval é desfile pela avenida.
Uns desfilam.
Outros não.
Carnaval é fantasia desmedida.
Uns fingem que sim.
Outros não.



2 de março de 2014

O PRIMEIRO BEIJO


A noite abria-se ilimitada de ínfimos pontos brilhantes,
com uma meia lua afogueada, a cair por detrás do monte.
Sentia a tua respiração escaldante
e as batidas do meu coração, desconcertadas?
Mantínhamos os nossos corpos aprisionados dentro de nós.
As nossas mãos revolviam-se à procura de mais que mãos
A tua dentro da minha, a minha a sentir a força dos teus dedos.
Olhei-te com a lentidão de quem não quer que o tempo ande
e pelas nossas cabeças passou um impulso fascinante.
As nossas bocas entreabertas aproximaram-se
e os nossos lábios tocaram-se
num breve arrepio que nos percorreu a pele.
Depois, esfregaram-se numa espécie de dança
Entregaram-se como corpos a que fazem amor.
E agarrámos-nos, um ao outro, com a força da vontade
de quem não se quer largar nunca mais.

Há reflexos de brilho de estrelas a caírem pela noite.



1 de março de 2014

VINTE E CINCO DE ABRIL


Foram anos de pátria amordaçada
que já desesperava, com tanta espera.
quando os bravos daquela madrugada
fizeram florir de novo a primavera.

Não mais o medo nem a voz silenciada
não mais o cárcere sombrio da tirania.
Pelas gargantas, andam gritos da alvorada
pelos olhos, mares salgados de alegria.

Nas armas, apenas cravos e as mãos nuas.
E a liberdade voltou, à solta pelas ruas!

E, da negra noite se fez claro, o dia!

(25º aniversário  -  Aveiro, 25 de Abril de 1999)

28 de fevereiro de 2014

FELICIDADE

Na vida, há coisas tão raras que se tornam demasiado caras.
Para outras, também escassas e procuradas, não há dinheiro que as compre.
Não por serem escassas e muito procuradas mas por serem especiais.
Porque não estão à venda.
Porque somos nós que as construímos.

FELICIDADE é uma delas!

OS TEUS OLHOS


Relâmpagos de céu incendiado com lágrimas rebeldes
Praias douradas sem ondas na pulsação tranquila do mar
Pássaros de folhas em bosque enfeitiçado pelo outono
Pedras preciosas com o brilho escaldante do meio-dia
Espelhos da alma com janelas de vidro transparente
Reflexos de luz no amanhecer de imensa paixão
Feras mansas pelo silêncio das tempestades sem vento
Estrelas consteladas nas noites de suaves encantamentos
Verdades com clarões nas intermitências do coração

Os teus olhos são a minha força e a minha vida.
Sem eles.
Cegarei!
Morrerei! 


26 de fevereiro de 2014

LUA


Homem na lua
que coisa crua
se tornou banal.

Explorou os continentes.
Fez a paz e fez a guerra.
Navegou todos os mares.
Lançou-se por ventos e ares.
Andou à volta da Terra.
E, agora foi à Lua.
Uma viagem tão louca
até podia ser trágica
Afinal foi coisa pouca.
E eu vi na janela mágica
que andava gente por lá!

Lua nova envergonhada
Tão carregada de mistérios.
Cheia dos apaixonados
De mel dos recém-casados
Lua dos quartos crescentes
e também dos minguantes.
Uma viagem tão louca
até podia ser trágica
Afinal foi coisa pouca.
E eu vi na janela mágica
que andava gente por lá!


(Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar o solo lunar, como comandante da missão Gemini VIII, na madrugada de 20 de Julho de 1969, naquela que terá sido igualmente a primeira grande transmissão do exterior via televisão em todo o mundo.)

O DESEJADO


Já caiu a noite sobre os campos de Shuaquen.
Há o vento do deserto e frio a cheirar a morte.
Milhares de corpos amontoados.
Os feridos, os mortos, os moribundos;
os mutilados sem glória nem esperança.

Vultos sonâmbulos, por entre pequenas fogueiras,
vão curvados na desgraça, agradecendo a sorte.
Nas sombras, vivos e esgotados.
Há gritos de agonia e outros furibundos
e arrepios, para apagar da lembrança.

Ao longe, entre duas dunas, no meio de palmeiras,
numa enorme tenda jaz no seu leito de morte
o jovem do elmo e da armadura dourados,
de sonhos loucos e dois golpes fundos.  
Da brava gente, poucos sobram da matança.

Desaparecido para sempre, no auge da contenda,
‘O Desejado’  lhe chamaram e nasceu uma lenda.



(Lisboa, 4 de Agosto de 1978 – 4º centenário da Batalha de Alcácer Quibir )



HOMENAGEM AO PEDRO AÇA


Se a regra é a vitória
na caminhada sem revês,
um empate de quando em vez,
não tira mérito à história
que este grupo de miúdos,
jogando mais que os graúdos
anda a gravar na memória.

Na bola como em quase tudo
para a coisa sair afinada,
é ter ‘maestro’ pr’á rapaziada.
E com este ‘míster’ é-se sortudo,
pois mesmo em início de carreira
a este ‘Mourinho’ da Pateira
já só falta o sobretudo.

Não lhe falta competência,
exigência tem de sobra
com vontade de fazer obra,
não se lhe sabe arrogância.
Antes prima pela humildade.
Vive o êxito com naturalidade
e sempre com elegância.

E, depois, sendo professor
tem mais essa obrigação
que é apostar na formação.
Desempenha o papel a rigor,
ensina, educa e premeia
assim como critica a falta feia.
E a malta ouve o treinador.

Mas, não há bela sem senão! 
E, como ninguém é perfeito
apesar de ‘leão’ ao peito
o nosso homem é ‘lampião’!
Perdoe-se o pequeno defeito
pois aqui é que já não tem jeito
nem lá vai com formação.


Em Fermentelos ninguém passa
nem que venha o mais pintado
quem manda naquele relvado
são os putos do Pedro Aça.
E, para que dúvidas não existam
é só ir ver e ouvir como gritam
‘só eu sei porque não fico em casa!!!’



Parabéns ao Pedro Aça e a todo o grupo de trabalho.
Aveiro, 14 de Janeiro de 2007

25 de fevereiro de 2014

DESPEDIDA


Chegou a hora e não vieste. 
Ainda bem!
Quando tudo começa a mover-se
quando tudo começa a ficar para trás
não suportaria ver-te, cada vez 
mais longe, 
mais pequena,
até ao limite em que morrerias no meu olhar.

Prefiro assim.

Levo-te na minha memória, no bater do meu coração,
no sentir da minha pele.
Levo os nossos momentos e aquela última tentação
no sentir da minha pele.
Levo na minha bagagem tudo o que juntei no tempo dos dois
no sentir da minha pele

Se tivesses vindo, já não diria adeus.

Amo-te!
Sinto-o na pele.


...

18 de fevereiro de 2014

MOMENTO PRESENTE


Se o passado é tudo aquilo que já foi
e o futuro apenas aquilo que ainda não é.
Porque aquilo que logo deixa de ser
se transforma naquilo que ainda não é.

O presente é o relâmpago fugaz na nossa vida 
com a duração do instante que passa.

PAIXÃO SECRETA


Sigo-a! 
Primeiro, apenas com o olhar,
Meio encolhido no banco do parque.
E, ela passa, sem notar.

Sigo-a!

Depois, a seguir a ela. A caminhar.
Espécie de disfarce; de espionagem.
E, ela continua, sem notar.

Sigo-a!
Mas nunca, nunca a irei alcançar.
Meio encolhido. Espião disfarçado.
E, ela continuará; sem notar!

Porque é que não consigo dizer-lhe que a amo.
Sem notar!

8 de fevereiro de 2014

AZENHAS DO MAR


Um casario de paredes brancas
com janelas recortadas a azul e amarelo,
labirinto de pátios e varandas
atraídos pelo brilho que sobe pela escarpa
em reflexos tranquilos, ao Sol do meio dia.
O mar estende-se até à linha do infinito
e, no vai e vem sem descanso
atira-se para a pequena enseada
numa revolta de espuma.
O crepúsculo do poente, tudo amansa.

Na varanda a desabar sobre o mar,
despimos-nos de nós, almas despertas;
e viajamos, à solta, pela madrugada.
E o mar é espelho de estrelas e de lua prateada
pontuado por cintilações incertas.