18 de outubro de 2014

TOADA DOS MIL SEGREDOS

A mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
no lugar do coração.
juntara tantos medos
mais tamanho preconceito
que ao padre se confessava
depois da missa contava
dos outros, como se fossem dela.
P'ra receber o perdão
em seu peito acumulava
incontáveis penitências
e dos outros, indecências
ia ouvindo, mais e mais.
Segredos eram aqueles?
Pecados sim. E mortais!

E, assim fez durante anos
a mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
no lugar do coração.
Se a aldeia inteira sabia
que confiar só podia
nela e em ninguém mais
a fama saiu pelos montes
saltou rios, galgou pontes
espalhou-se pelos vizinhos.
Mais segredos a pedido
a mulher foi guardando
e ao padre confessando
como se fossem seus.
Tantos eram já os pecados
que o padre foi ao bispo
'Que me aconselhais, senhor,
que estais mais perto de Deus'.
E, do bispo regressou
com missão bem espinhosa.
A mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
no lugar do coração
entraria num convento
passando o resto da vida
em clausura total
até que um dia a morte
tirasse a sua vida em sorte
e viesse prá levar.

A mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
no lugar do coração
quando soube a notícia
ali na sacristia
caiu redonda no chão.
Sem um ai, sem um ui!
Mas, nem um minuto após
lívida, estrebuchou tanto
em tamanha a gritaria
em tão desmedido pranto
que o povo acorreu à porta
a saber o que seria.
A mulher calou-se, então
e já todos a julgavam morta
quando ela se levantou do chão
e olhando a multidão, disse: 
'Eu sou a mulher que trago
o que é vosso, em segredo,
por penar as vossas culpas
me condenam ao degredo
sem mais ver a luz do dia
sem mais palavra dizer.
Pois não quero carregar
pecados que não são meus
e aqui juro perante Deus
que nunca mais vou ouvir
nada, de nada, de nada.
E o padre mandou-a em paz

E a partir de então, 
a mulher dos mil segredos
guardados dentro do peito
não juntaria mais medos
no lugar do coração
Ninguém mais confiaria
coisas simples ou banais
fossem pecados mortais
mas segredos perdidos, não!