31 de outubro de 2011

A MINHA NETA

A minha neta é uma flor,
um girassol? Não, talvez mais uma rosa
porque rosa é mais amor.
Tem aquele encanto das crianças felizes,
olhos grandes, lindos, estrela radiosa,
a ternura inocente e franca dos petizes
e ri, uma gargalhada maravilhosa.

A minha neta é uma flor,
uma rosa tem de ser, sedutora e delicada.

A minha neta é um imenso amor,
mais que flor, mais que rosa, é a minha alvorada.


24 de outubro de 2011

AO MEU MAIOR AMIGO

Partiste
e eu não pude estar perto de ti.

Recordo a tranquilidade com que passaste pela vida
ultrapassando adversidades com a mesma serenidade discreta
com que consumias os momentos felizes.
Recordo como davas a conhecer as tuas opiniões
principalmente quando discordantes,
sem afrontamentos, sem amuos, sem exaltações,
apenas com aquele teu jeito de dizeres quase humildemente:
'Eu teria feito de outra maneira; eu não teria dito assim...'
Recordo que nunca te ouvi uma má palavra para alguém,
nem má vontade acerca do que quer que fosse.
Recordo que eras justo, apaziguador e respeitador dos outros
das suas formas de estar, das suas convicções,
das suas crenças.
Sem revoltas, sem angústias, sem guerras.
Um homem de paz.

Ser tão diferente de ti, como eu sou,
apenas me faz recordar com mais admiração
aquilo que foste e continuar a dar, a mim mesmo,
um esforço para tentar suavizar as minhas tempestades.

Obrigado, pai, por iluminares o meu caminho.
(o meu pai morreu no Hospital de S. José, na madrugada de 19 de Abril de 1999, de cancro.)

23 de outubro de 2011

NOVOS CONVENCIDOS DA VIDA

Uma nova casta de gente que se instalou, 
um pouco por todo o lado.

Irmanada na doutrina que lhes vai alimentando os umbigos,
pratica a auto exaltação, a lisonja hipócrita e o elogio airoso,
deixa apenas deslizar rumores, nada de sumptuoso
não vá o diabo tecê-las, retirar o brilho e embaciar as máscaras.
É apenas terapia de grupo, espécie de ordem unida, 
faz parte do breviário.
Enxameou política, negócios, empresas, comunicação social,
a vida na arte de comentar tudo,
mesmo o que não tenha motivo para comentário.
Mira-se no espelho com a frequência necessária
para tonificar a vaidade
e ouvir o elogio, que o próprio espelho condescendente,
lhe devolve como se fosse uma condecoração.
Exímia na exaltação da sua própria natureza de excelência,
sem mácula nem erro, porque não há que enganar,
o caminho é sempre em frente e para cima,
por cima do que quer que seja,
por cima de tudo o que mexa.
Trata a humildade como horrível doença contagiosa
e sorri displicente a quem lhe mostra uma rosa
coisa de poeta louco que nunca irá a lado nenhum.
Mas, se pressente que o chão lhe foge, ou caie em desgraça
e vai na vida cano abaixo tenta o golpe sem graça,
para quedas que lhe sustente a queda vertiginosa
na teia dos seus pares, que antes eram concorrência odiosa.
E se o espelho embaciado pelo vapor
de tanta arrogância a presunção
já não lhes responde,
transformado em vidro fosco e sem brilho
fica-lhes então a rosa, mesmo que seja doença do coração.


Convencidos da vida ou vencidos por ela, poetas nunca serão!

22 de outubro de 2011

SOLIDARIEDADE

Ser solidário
neste mundo imundo, é difícil. Porque é ser-se diferente.

Por isso, 
                SOLIDARIEDADE 
                                             é mais do que uma palavra.

É uma força que incomoda tanta gente!

8 de outubro de 2011

HASTA SIEMPRE

Em La Higuera, aldeia no meio do nada, 
com três tiros de pistola, 
a sangue frio, mataram-no contra o muro da escola, 
eram seis da manhã e ficou de luto a alvorada.

A mando de poderosos, a soldo do medo
como quem esconde um pecado,
foram enterrá-lo em segredo
numa tumba sem lápide, sem nome, sem nada.

Mas não enterraram a quimera, nem calaram a palavra sofrida
nem a revolta dos oprimidos, nem a razão da luta erguida,
Antes criaram a lenda e mantiveram-lhe vivo, o nome.
Médico, poeta e jornalista,
político e guerrilheiro
argentino, cubano, internacionalista,
comandante e companheiro,
‘Hasta siempre’, Che Guevara!

5 de outubro de 2011

INDIGNAÇÃO

Nós já lhes demos tudo, vezes sem conta! 

Tudo fomos concedendo na esperança 
de salvarmos a nossa ameaçada existência.
Tudo fomos cumprindo na esperança
que as nossas penas fossem asas de liberdade.

Mas vocês, ao serviço de quem tudo causou,
pretendem continuar a enganar-nos
com truques e fantasias,
mentiras e ousadias.
Venderam-nos os anéis, deceparam-nos os dedos,
cortaram-nos as mãos, retalharam-nos de medos
e afundaram-nos nas trevas.

E agora aqui chegados, náufragos e esqueletos,
ainda nos querem a ossada.

Não peçam mais nada, sobretudo mais nada de nada.
Já lhes demos tudo o que tínhamos para dar.
A dignidade, o suor, a alma, a terra.
‘Aux armes citoyens’: estamos em guerra!!!

Para ganharmos a batalha não precisamos de canhão!
Vamos persegui-los a todos como se caça um ladrão.
Contra a vossa cobardia há-de chegar a nossa coragem,
Contra a vossa ganância bastará a nossa indignação!


2 de outubro de 2011

DAQUELA VEZ

O dia acordara triste, o céu pesado, o mar cinzento. 
E eu, mal dormida, sono dorido e cansado, 
depois do último cliente carregado de bebida, 
a tresandar a tabaco, vindo de um bar qualquer
já passara a meia noite, desprezado pela mulher.

Não quero ouvir o telemóvel tocar!
Por fora estou um farrapo e por dentro estou vazia.
Não quero ouvir nenhuma voz (que fazes? quanto levas?),
fazer carinho sem vontade, dar beijo que satisfaça,
uma fantasia sem graça.
Não quero o vestido preto, curto e decotado,
amarrotado,
só porque é rápido a cair no chão
e ficar, de salto alto, atrás da porta entreaberta, 
num sobressalto, num turbilhão.
E depois ele, rosto fechado, olhar inquieto, passo incerto
e eu num desejo de fugir, sem conversa,
tirar a roupa numa pressa,
medir-me com o olhar e num ritual rumo ao quarto,
rumo à cama,
rumo ao nada.

Já era noite quando o telemóvel tocou!
Deixei-o tocar, uma, duas e mais outra vez,
na esperança que desistisse.
Mas insiste e toca outra vez.
Num estranho impulso, acabo por atender.
Do outro lado, uma voz forte mas doce como um mel,
serena e meiga, diferente.
num arrepio, o meu coração treme
e o meu corpo fica mais quente.
Nem sei se respondo às perguntas que me faz
e quando ele desliga e diz ‘até já’, eu fico a pairar
(Até já? Não me diga, não me engane...)
estou capaz de não aguentar.
Num impulso corro para a 'lingerie' sensual,
para o vestido preto, curto e decotado,
amarrotado
só porque é rápido a cair no chão.
Ah! o fio dental e o sapato de salto alto
um pouco de maquilhagem que disfarce a palidez
mas os lábios, esses sim, vermelhos e brilhantes
com sabor a morango e afronte a timidez.

E, ali estou, num sobressalto
à espera que a campainha toque, de porta entreaberta,
e vejo-o aparecer no patamar,
saído do elevador numa nuvem,
a mesma voz metida num sorriso bonito
que me faz sorrir uma alegria estranha.

Trocamos dois ‘olás’, dois beijos,
meu nome é Bárbara, o dele Jacinto?
não importa, eu também minto,..
e sinto-lhe os lábios quentes no meu rosto e dou-lhe a mão,
e deixo os seus olhos mergulharem nos meus,
a percorrerem-me o corpo,
a penetrarem-me a alma,
tão desarmado anda o meu coração.
E, vamos para o quarto,
mãos macias passearem-me na pele,
Os lábios a arderem junto meu rosto,
a escorrerem pelo peito,
a vadiarem pelo meu corpo
demónios incendiários.

(E, eu não estou a fingir, estou mesmo a gemer.)

Já estou nua,
já estou fora da cama, fora do quarto, fora de mim,
archote a arder do outro lado da rua, do outro lado da Lua.

(Por favor, não tenhas pressa!)

Gemo um grito abafado que ele é mesmo safado,
sabe onde a mulher sente, sente onde a mulher quer.
Dentro de mim há um fogo que cresce,
depois desce,
e dentro de mim, estremece-me as entranhas
e ele a dizer-me, ao ouvido, coisas estranhas

(amor, querida, bela - e chama-me mulher.)

E eu, sinto-me como que perdida,
numa lascívia errante,
a voar por cima dele, pareço uma iniciante.

(Faço o que você quiser!)

Sinto-o estremecer, quase a acabar
e agarro-me com mais ânimo com mais força.
E dentro de mim termina, três, quatro, cinco vezes,
não sei bem.
Fecho os olhos, com o carinho do beijo que me deixa na testa.
E olhamo-nos apenas e tanto,
que já nem sei se é bom se não
e faz-me uma festa.
Num espanto, oiço-me murmurar.
(Foi muito bom, amor...)
e ponho o dedo indicador nos seus lábios

(Silêncio! Não digas nada…)

E sinto-me a saltar da cama,
nos seus abraços, nos seus beijos, na sua chama.
É tudo de novo que começa como se nunca tivesse acabado.
Eu sem querer que acabe para que ele não saia pela porta
e eu não tenha que ficar, de novo
na solidão do quarto, do nada.

A noite ficou pequena de tão intensa e bela,
que vou num barco à vela
ao vento, ao luar, rumo ao sonho.
Só me resta sonhar para que a vida valha a pena!