11 de abril de 2022

ATÉ SEMPRE, NUNO. LEVA UM ABRAÇO.

 

Hoje o dia está mais do que cinzento! Está triste e esta chuva vertical que parece não abrandar nunca. Dois dias seguidos nisto. Vá lá, vá lá! Já têm sido mais... resta a promessa (de quem?) que o fim de semana de Páscoa terá Sol e mais calor. Aguardemos!
Mas, hoje, também é o dia de nos despedirmos do Nuno. O meu primo por afinidade que morava aqui na Quinta na casa que ficou dos pais, um pouco mais acima da nossa Ilha. Tinha 64 anos!
Começámos mais ou menos ao mesmo tempo, há uns oito meses, com as dores nas costas. As dele eram cervicais. As minhas são na região dorsal e lombar. Exames para aqui. Exames para ali.
Chegou o diagnóstico ainda antes do meu.
Cancro no pulmão. metastisado pela medula, na cabeça...
O Nuno não era dos primos mais conversadores nem o que eu conhecesse melhor. Muito fechado com a sua vida e as suas coisas. Lembro-me quando estava casado que dedilhava viola e, contava umas anedotas. Depois a vida levou-nos por caminhos diferentes. Víamo-nos menos. Quase nada. Vivia quase solitariamente.
Mas, desde que viemos, a Dalita e eu para aqui, para a Ilha, começou a aparecer mais. Gostava de falar com a Dalita sobre as "artes agrícolas"! Comigo, falávamos sobre tudo. Até sobre a agricultura, recordando os anos de adolescentes em que o meu tio, engenheiro agrónomo, estava por cá com a "Experiência Agrícola" e como primeiro comandante dos bombeiros. falava-me dele com entusiasmo. Homem de iniciativas. Com muito conhecimento.
O Nuno assombrava-me com a memória dele. Sabia as marcas e as matrículas dos carros. De uma data de carros da família. Até dos carros que o meu pai tinha e que eu trazia quando vinha cá com a família. Nem eu sei tanto dos meus carros como ele. Mas, não gostava de ler, por isso dizia que gostava de falar comigo pois eu dizia as coisas de uma maneira que ele até pensava "gostaria de ler o que dizes". Ofereci-lhe o livro das minhas crónicas. Acho que chegou a ler umas quantas.
Sentávamo-nos ao Sol do fim das tardes, debaixo do telheiro, e ali ficávamos, às vezes só os dois, outras com o Alexandre (um outro primo que anda sempre por aqui nas "agriculturas artesanais" e mais um ou outro familiar ou conhecido que aparecesse por uns momentos a desejar "boas tardes".
O nosso passado adolescente ocupava-nos muito tempo. Acho que é pr
óprio de quem anda pelos setenta e tais e até para ele, mais novo ainda dez anos, conversas que estimulavam uma vivência de tempos mais alegres e despreocupados. Outras vezes era sobre outra coisa qualquer. "Vamos lá desfolhar o tempo..." dizia eu e ele ria-se. "Lá estás tu a inventar palavras!"
Depois chegaram os diagnósticos. Primeiro o dele. Depois o meu! Ele já em tratamentos. Eu ainda pelos exames e pelo hospital. Telefonava ele para saber como eu estava; telefonava eu para saber como se estava ele a safar. Os tratamentos prosseguiam. Radioterapia. Ia agora começar com imunoterapia. Estava esperançoso. "Só estas pernas sem força nenhuma...." Como eu o percebo! É isso que também me atrapalha tanto. "O resto! Eu não quero é ter dores. Eu cá com dores não presto para nada!" Nem eu, meu caro Nuno. nem eu!
Depois fartava-se de me fazer perguntas. Coisas que eu não sabia como responder-lhe: "Eh, pá! Eu só sei o que os médicos me dizem: sobre o que eu tenho... de resto..." mas ele insistia. "AH, tu sabes! És um gajo informado! Tu sabes bastante desta malvada doença" Eu sorria. Não por imodéstia mas para disfarçar a minha ignorância sobre o problema que me punha. Ele, claro não via o meu sorriso. Talvez o pressentisse. "Vou perguntar, vou ver se leio.... desculpava-me, para adiar a resposta que não tinha".
Uma tarde de sexta feira, há duas semanas atrás, veio de Coimbra mas durante a noite teve uma urgência hospitalar. Falta de ar... mesmo muita dificuldade em respirar. Não queria ir para o hospital. Não era preciso. Mas lá se convenceu. A crise estava séria! Diagnóstico fatal: apanhou Covid-19! Debilitado. defesas em baixo e sem vacina tomada. Quando devia ter tomado, teve medo na altura, por causa do coração. Entrou na quarta feira passada., em coma. Morreu no hospital de Salreu. Hoje vamos despedir-nos!
Até sempre Nuno, leva um abraço!

4 de abril de 2022

QUE CHEGUE O TEMPO EM QUE TUDO FLORESCE


O vento calou-se quebrado num repente.
e o céu ficou limpo de algodão
uma pincelada de azul transparente,
a água voltou a correr só pelo chão
deixou de andar pelo ar, de cair do céu
de inundar o meu coração.

O mercúrio voltou a trepar a escala
por todo o lado, o grito das flores
e num cenário salpicado de cores.
o voo veloz, irregular, da passarada
num espalhafato de miúdos traquinas
como nos jogos de apanhada.

É a minha alma que rejuvenesce
nesta pressa de afastar o que entristece
o cinzento dos dias e o frio de esquinas.
um desejo, mais do que uma prece
que chegue o tempo em que tudo floresce!

 A PORTA, A PASSAGEM

Não a abro a toda a gente
Embora não goste de a fechar
Quem como amigo vier, que entre
Se não for, então deixe-se estar
(e que esteja longe...)
Porque se me for indiferente
Mais vale não ter de falar!
(e porém, não sou monge...)