15 de dezembro de 2020

INSÓNIA II

 

Andava às voltas na semiobscuridade do quarto e quando se reflectia no espelho da porta do roupeiro parava a olhar o vulto dum fantasma sem sono. Os fantasmas não têm sono! Tanto que só andam de noite e no escuro.. Por isso, ou dormem durante o dia ou não dormem de todo.
E, se não dormem é porque não têm sono!
Acabava por se deixar cair, pesadamente de costas no colchão que lhe servia de cama. Era uma daquelas quedas que se vê nos filmes só que nesses não se vê o colchão para dar a sensação de queda fatal.
Já tentara alguns truques para adormecer mas não conseguia, tinha de lhe telefonar ainda. Sabia que era tarde... o relógio digital em cima da mesa baixa ao lado do candeeiro com a lâmpada à vista e o quebra-luz meio amolgado, no chão. Para quê saber as horas? Era tarde!
Ela atendia sempre ao terceiro ou quarto toques. Voz quente, quase um murmúrio, meio ensonada. "És tu.....?"
Ele respondia numa breve hesitação: "Sim....desculpa!
E ela: "Não tem importância......diz....."
E ele dizia uma série de coisas enquanto lhe adivinhava um sorriso ou, por vezes, um bocejo de espanto. Falava. Apenas, falava...depois, com receio de que, entretanto, ela tivesse adormecido, despedia-se: "Até amanhã; desculpa. Precisava mesmo de falar contigo".
Umas vezes terminava com um beijo, outras desligava, sem esperar por resposta. Era assim. E, no entanto, nunca estivera com ela!
Trocaram amizade na rede social e mensagens no chat e trocaram os números de telemóvel....só que nunca se iriam encontrar.
Ele apaixonara-se por aquela voz calma, suave, linda assim ensonada. Era tudo! Preferia continuar fantasma sem sono.

6 de dezembro de 2020

sobre rotinas e outras monotonias

 

Ah! A rotina maravilhosa da sucessão dos dias!
Ah! O imenso prazer de acordar todas as manhãs
Ah! O corajoso desafio de ir ao apelo de tudo o que nos rodeia
E, no entanto, um dia chega um cansaço
de ver sempre as mesmas coisas da mesma maneira,
de percorrer os mesmos caminhos sempre com os mesmos passos,
de olhar para as mesmas pessoas gastas de tão conhecidas,
de enfrentar os mesmos medos, ensaiando sempre as mesmas fugas,
de não querer mais o que sempre se quis sem querer.
Quando já não souber mais o que fazer, faça uma pausa,
feche os olhos e respire fundo, várias vezes
Pode ser que a resposta esteja no seu coração.
Ouça-o.

4 de dezembro de 2020

sobre coisas que só percebemos depois

 

Os dois dias mais importantes das nossas vidas são: o dia em que nascemos e o dia em que descobrimos quem somos
Haverá quem discorde disto.
Corre-se sempre o risco do contraditório quando emitimos uma opinião e "universalizamos" esse pensamento. Vou, então, "singularizar" dizendo que os dois dias mais importantes da minha vida foi o dia em que nasci e será o dia em que descobrir quem sou.
O primeiro é muito fácil de definir pois comemoro-o, anualmente, tem data fixa e existe enquanto eu existir - já fiz 72 ciclos de calendário - no dia em que voltar a ser pó, ficarei sempre com a mesma idade para os outros que por cá continuarem.
Todos os dias quando acordo e me olho no espelho não sei se me vejo se estou a ser observado. A minha "religião" é tão simples que não tem deuses a quem tenha de estar, diariamente, grato pelo milagre de me encontrar vivo e existir;
Talvez me interrogue mais e tenha de me esforçar mais ainda para que possa encontrar as respostas ás perguntas que faço a mim mesmo sobre mim.
De qualquer forma, sinto que esse dia ainda não chegou pois se somos seres em permanente construção, atrevo-me a pensar que quando for dado como morto ainda uma parte de mim, me está desconhecida.
Deduzo, então, que os dois dias mais importantes das nossas vidas são o dia em que nascemos e o dia em que deixamos de existir, ou seja, os extremos equidistantes de um ponto algures no meio das nossas vidas.
Na verdade, nunca nos chegamos a conhecer.

3 de dezembro de 2020

SOBRE TI, SOBRE MIM, SOBRE NÓS

 

Quando te vi, pensei.
Vais ser o meu caos mais bonito,
o meu inesperado mais esperado
o meu equilíbrio mais desejado.
E és! O meu amar favorito.
Não tinha muita coisa para te dar.
Tinha um sorriso sério
um abraço apertado
um olhar apaixonado
um beijo mistério
e muita vontade de ti.
As mais belas histórias são (como a nossa) assim
têm um começo,
medo e coragem,
quietude e arremesso,
e têm um SIM!
Bem vinda ao meu delírio.
De entrelaçar dedos, braços, pernas, lábios, línguas, corpos,
almas, sonhos, dias, meses, anos, décadas.
VIDA!