27 de janeiro de 2015

HOUVE TEMPO

Logo que a sala escurecia
na ultima fila do segundo balcão
o foco saltava da janela da cabine de projecção
iluminava o teu rosto de sorriso ansioso
e os teus olhos que ficavam tão brilhantes.
A minha mão direita partia, então,
por debaixo do casaco de lã dobrado no colo
numa busca nervosa pelas tuas coxas quentes
nas meias de vidro muito brancas
entre a mini saia e os canos das botas altas
enquanto a tua mão se fechava no meu braço
menos como garra; mais como abraço.
A tua cabeça aconchegava-se no meu ombro,
ouvia o teu respirar lento, profundo
e sentia a tremura dos teus lábios junto aos meus
como se quisessem beijar o mundo.
O vómito de luz esbranquiçada quase por cima de nós
ia esfrangalhar-se em multiplas imagens
na tela imensa, lá em baixo a desabar na plateia. 
O filme passava. Que filme?
Houve tempo, 
quando o vento estava agreste e a chuva fria 
que íamos namorar para o cinema.
E a tarde ficava logo mais amena.

 .


26 de janeiro de 2015

EU NÃO SEI NADA

Sei lá eu porque o tempo vai prá frente,
mais depressa, tão urgente,
quando a vida anda pra trás?

Sei lá eu porque às vezes perco a razão
quando fala o coração
e sou mais verdadeiro.

Sei lá eu se o que me dás é amor
se é para disfarçar a dor
que te causa o meu olhar.

23 de janeiro de 2015

VULTOS

Os vultos que saltam, durante a noite,
do meu inconsciente
e preenchem os meus sonhos
são personagens desfocadas,
talvez mesmo almas penadas,
que fazem parte não sei de que vida,
de que desejos reprimidos,
de que medos engolidos
de que maquinações frustradas
de que impaciente ferida..
Não os conheço!

E, no entanto,
há vultos que sou capaz de identificar.
Mas estes que preenchem os meus sonhos; não!.
Não os conheço!

Por isso me irrita tanto, tanto.
Não ser capaz de os apanhar
antes de acordar.