27 de janeiro de 2015

HOUVE TEMPO

Logo que a sala escurecia
na ultima fila do segundo balcão
o foco saltava da janela da cabine de projecção
iluminava o teu rosto de sorriso ansioso
e os teus olhos que ficavam tão brilhantes.
A minha mão direita partia, então,
por debaixo do casaco de lã dobrado no colo
numa busca nervosa pelas tuas coxas quentes
nas meias de vidro muito brancas
entre a mini saia e os canos das botas altas
enquanto a tua mão se fechava no meu braço
menos como garra; mais como abraço.
A tua cabeça aconchegava-se no meu ombro,
ouvia o teu respirar lento, profundo
e sentia a tremura dos teus lábios junto aos meus
como se quisessem beijar o mundo.
O vómito de luz esbranquiçada quase por cima de nós
ia esfrangalhar-se em multiplas imagens
na tela imensa, lá em baixo a desabar na plateia. 
O filme passava. Que filme?
Houve tempo, 
quando o vento estava agreste e a chuva fria 
que íamos namorar para o cinema.
E a tarde ficava logo mais amena.

 .