1 de dezembro de 2015

MAIS PERTO DO CORAÇÃO




Então, nunca mais chegamos!?
Eu aos oito anos, numa dessas ocasiões que podem mudar uma vida.
(Por mares nunca dantes navegados…)
A bordo do Austin dez cavalos, preto a brilhar como novo.
No banco traseiro, eu. Entre a minha mãe e a minha avó Judite.
O meu tio Reinaldo ao volante. O meu pai ao lado.
Oito horas de viagem, pelo menos. Pelo mais, nem sei quantas seriam.
O mapa das estradas para marcar os locais de passagem.
O cavaleiro andante para ir lendo e passando o tempo.
Um bloco e lápis pelas notas de viagem.
Caldas da Rainha. O café da manhã. As senhoras vão ao mercado.
Voltam meia hora depois com uma pequena cesta de fruta.
Pacotes de cavacas. Um cartucho com suspiros.
Alcobaça. Almoço. Frango na púcara no Corações Unidos.
No Mosteiro, a cozinha enorme onde Alcoa e Baça dão nome à vila.
Coimbra. A pequena paragem no café, em frente à estação.
Lavamos as mãos e bebemos um café, alvitra o meu tio.
Acabámos todos nos lavabos, antes de lavarmos as mãos e do café.
O Portugal dos Pequeninos fica para a próxima.
Afinal parece que já se faz tarde.

Então nunca mais chegamos!?
Eu a tentar ver os bonecos do ‘Cavaleiro Andante’.
Em Albergaria, o meu tio avisa. São curvas e mais curvas.
Alguém enjoa? Enjoado? Vou mesmo sem curvas.
O rio serpenteia entre margens. A estrada imita as voltas do rio.
Vouga! Vai até Aveiro. Mau, penso eu. Agora Aveiro?
Então e Sever? Já que temos o Vouga aqui à mão.
Ouve-se um apito fumegante e depois outro.
É um eco suspenso no meio do rio. Lá em cima.
A imponente ponte de pedra e o pequeno comboio.
Num equilíbrio de arame como no circo.
De um lado e do outro da serpente líquida é verde.
Uma casa parece perdida na mancha dos pinheiros.
Agora largamos a estrada junto ao rio num cotovelo.
Começamos a subir. Adeus rio!

Já estamos quase, não estamos? Palpito eu do banco de trás.
Estamos, respondem-me em coro com ar enfastiado.
Uma fileira de casas baixas à beira da estrada.
Mais uns quantos telhados dispersos. Não há pessoas?
Na estrada um homem com um boi preso a uma corda.
Nunca vira ninguém a passear um boi pela trela.
No carro, todos se riem com gosto. Os adultos acham graça a cada coisa.
Quando o meu tio diz de súbito. Chegámos!
Dou um salto que me faz bater com a cabeça no teto do carro.
A última ladeira. E uma entrada para um largo com palmeira.
O prédio é antigo. Três andares e águas furtadas. Pensão Palácio.
É aqui? Já chegámos?! De novo, o coro, num suspiro. Chegámos.
Ó Reinaldo, mas isto é no fim do mundo!
Deixa escapar a minha avó, ao meu lado no banco de trás.
Finalmente, parece que tenho uma aliada, penso eu.
Eu acho que é longe de Lisboa. Longe do longe. Longe de tudo.
Foi a primeira vez!
A partir dessa vez, Sever do Vouga, a ficar sempre mais perto.
Até do meu coração.