11 de dezembro de 2023

HÁ NOVE ANOS FOI ASSIM

 Vou passar a chamar ilha a este lugar,

embora não veja o mar.
Tem uma colina com pinheiros bravos,
tão altos e esguios
que dançam lentamente ao som do vento norte.
Tem jardim com corolas de mil cores
e as rosas de Alexandria
que exalam o perfume das essências raras.
Tem campo de mirtilos até onde a vista alcança
onde o Sol se deita, ao fim da tarde
como se fosse linha de horizonte
e tem o silêncio que as ilhas têm.
Mas, quando amanhece
e a luz entra pela janela do quarto
uma vigia de barco ancorado
e olho os campos, em frente,
verdes, verdes, verdes...
é então que oiço o mar!
(MJS, in Descritiva Mente, 2014)

E foi assim que a 10 de Dezembro de 2014 se concretizava um regresso às origens pela parte da Dalita e um regresso definitivo (também) a um local onde fui feliz.
Onde encontrei a mulher da minha vida, ela que me atura desde 1965 e que depois deste tão longo caminho percorrido, tempo que parece ter passado tão depressa, é neste paraíso que gostaria de passar serenamente ao seu lado, o resto que falta... apesar da tal doença que alguns ainda teimam em chamar prolongada com cerimónia, para não chamar cancro, que é na realidade o que isto é, um "cancro"!
Com esse lido eu enquanto tiver força e paciência e ela me acompanhar, ela que nunca me abandona mesmo quando também eu lhe sinto o cansaço.

Ao longo de décadas, escrevi textos, poemas, crónicas, folhas que do branco se transformaram em suportes de rabiscos que já deram quatro livros e mais um que será editado em breve, talvez ainda este ano e uma dúzia de cadernos que de vez em quando trago da estante para a cabeceira da cama para reler, emendar, inventar, gatafunhar por um ponto ou dois, a vírgula que pode, com o andar do tempo, modificar o sentido da frase mas não a intenção com que foi "dita"!
E depois quando as luzes se apagam e fica aquela mancha na parede do fundo do quarto, projectada da estrada pelo candeeiro mesmo em frente e vejo ao meu lado, num sono tranquilo, o vulto dela que me acompanha há 58 anos e um trimestre desde que numa noite de Setembro abriu o baile comigo ao som do "Tombe la Neige" do Adamo que já só poucos saberão o que é, sinto enorme e tranquila felicidade porque sendo a felicidade um objectivo inalcansável, tem no longo caminho tantos momentos como este em que nos sentimos genuinamente felizes.
Obrigado!

Nove anos. E tanta coisa já aconteceu nesta ilha.
Aqui estamos...

29 de novembro de 2023

 ELA ERA LIVRE no seu estado selvagem

Uma nómada como gota d' água solta de tudo
Não pertencia a nenhuma tribo
Nem a nenhum homem
Nem a nenhuma cidade
Ela era uma guerreira
Uma mistura perfeita de sensível e selvagem
Ela era poesia...!

23 de novembro de 2023

JÁ DESESPERO DE TANTA ESPERA

 JÁ DESESPERO DE TANTA ESPERA

Toda a noite numa noite sem céu nem lua
Adormeço por fim -ai de mim - numa luta
E volto já dia numa esperança
De que apareças na outra ponta da rua
Que subas as escadas até ao segundo
E num segundo me enlaces sem tardança
Enquanto eu me deixo ir na dança
Completamente nua!

20 de novembro de 2023

 O AGORA NÃO EXISTE!

O que existe é o momento que já passou.
Quando olhamos o relógio,
já o tempo não é o tempo marcado.
Já passou a sexta feira
passaram sábado e domingo.
Já passaram semanas e meses.
Já passou a Páscoa.
Já passaram os banhos de mar.
Já passaram os fins de tarde
Já passou o teu beijo incendiado
Já passou aquele teu sorriso no olhar
Já passaram mil e uma noites de luar.
Já é Natal outra vez.
O ano já passou de ano.
Já passaram décadas.
Já passou uma vida.
Já passou uma eternidade.
Já chegou o tempo da saudade.
O agora não existe.
O que existe é um bater de asas
um voo de ave de rapina
que nos leva nas garras
o tempo...
(MJS, "Poesia de Emergência", 2023)
PS. Inspirado no Mário Quintana e num dos seus mais famosos poemas "Tempo".




UM MISTÉRIO QUALQUER

 Há aqui um mistério qualquer.

Afinal por onde anda o Sol se devia estar por aqui?!
E não está em lado nenhum...
Nem a resvalar pelas águas do telhado.
Nem pousado na clarabóia do quarto.
Nem pendurado em nenhuma das janelas da sala.
Nem a bater à porta a incendiar o mercúrio do termómetro.
Nem a espreitar entre a macieira e a chaminé da casa do forno.
Fugiu da via láctea, para os confins do universo.
e deixou-me a olhar o céu triste
com um pressentimento perverso.

30 de outubro de 2023

“ADORO VOAR”

 

Expulsei pessoas que amava de minha vida, mas arrependi-me.

Senti muito a falta de alguém, mas nunca lhe disse.

Gritei quando deveria calar e calei quando deveria gritar.

Escondi um amor com medo de o perder e perdi um amor porque o escondi

Amei pessoas que me decepcionaram e decepcionei pessoas que me amaram.

Em frente do espelho, por vezes, tento descobrir quem sou,

Segurei nas mãos de alguém com medo,

Tive medo, e foi tanto que nem sentia as minhas mãos.

Menti mas arrependi-me depois mas disse a verdade e também me arrependi.

Acreditei em pessoas que não valiam a pena e não acreditei nas que valiam.

Já fingi ser o que não sou para agradar uns,

já fingi ser o que não sou para desagradar outros.

Inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.

Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho e fico ali".

Já cai muitas vezes achando que não ia conseguir reerguer-me,

já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.

Já liguei para quem não queria só para não ligar para quem realmente queria.

Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram.

Algumas pessoas, nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim.

 

Não me mostrem o que esperam de mim, porque vou seguir o meu coração!

Não me façam ser o que não sou, nem me convidem a ser igual, porque ninguém o é e eu não sendo diferente, sou diferente!

Não sei voar com os pés no chão!

Podem até empurrar-me do alto de um penhasco que eu vou gritar:

“E daí? Eu adoro voar!”

 

 

o SEGREDO da vida é VIVER!

 

Às vezes é preciso que a vida nos mostre a sua face mais feia e mais dura para compreendermos e aprendermos...
Compreendi:
que viver é ser livre, ter amigos é imprescindível, lutar é manter-se vivo, para se ser feliz basta querer, os verdadeiros amigos permanecem, vencer a dor fortalece e engrandece, para sorrir tem que fazer alguém sorrir, a beleza não está no que vemos mas no que sentimos, o valor está na força da conquista, as palavras têm muita força e fazer é melhor que falar, o olhar não mente,
Aprendi:
que o tempo cura, a mágoa passa, decepção não mata, hoje é reflexo de ontem, sonhar não é fantasiar, chorar alivia o coração, o valor está na força da conquista, tudo depende da vontade, o melhor é sermos nós mesmos, viver é aprender com os erros.
o SEGREDO da vida é VIVER!



SOBRE A AMIZADE E OUTRAS LIBERTAÇÕES

Parecias tão feliz que contagiavas cada canto da casa com o teu sorriso,, com o teu gesto amável, com a tua paz e, só por isso, parecia tornares o meu mundo menos caótico

Eu ficava a observar-te, na serenidade do teu rosto,
ia esquecendo as questões que enfrentara no meu dia sempre tão cansativo e tão atabalhoadamente vivido.
Era a tua amizade, tão fundamental em qualquer hora, a tua maneira de acompanhar, de fazer e de estar, presença tão desprovida de egoísmo ou malícia por isso indispensável, que me fazia querer voltar, sempre, todos os dias da minha vida, para o pé de ti!

21 de outubro de 2023

UM AUTOR (DES)CONHECIDO

 

Quando coloco os meus pensamentos em palavras e exponho as minhas vivências, muitas vezes como feridas ainda abertas, outras sanadas pela cura dos tempos, sinto-me um autor (des)conhecido.
Quando acordo, no meio da noite, com uma ideia e então levanto-me (nem sempre, raramente o faço) para anotar o que sinto para que nada fique esquecido, sinto-me um autor (des)conhecido.
Quando me sento à frente do pc, navego pelo éter e nas palavras, ponho o peso e a medida que me faz estalar sentimentos e digo o que sinto, mas não me vejo, sinto-me um autor (des)conhecido.
Quando acham que o que escrevi é tão bonito que um simples mortal não teria escrito e então atribuem a autoria a alguém que todos já conhecem, sinto-me um autor (des)conhecido.
Quando cansado me deixo levar, por momentos, na tentação de baixar os braços e me pergunto se vale a pena lutar se de qualquer maneira amanhã tudo recomeça, sinto-me autor (des)conhecido.
Autor (des)conhecido, os pedaços de mim espalhados por aí são e sempre serão pedaços de mim, que eu reconheço, que quem me conhece, reconhece, que eu abrigo e me ajudam a dar abrigo e ninguém pode tirar de mim.

20 de outubro de 2023

SOBRE OS ESQUELETOS DE GAZA


Deem as mãos para receber
os filhos da má sorte
Abram os braços para acolher
os que sofrem a dor da guerra
Abram os corações
para abrigar os que fogem da morte
Abram as portas aos que vêm
de onde não há futuro ou guarida
de onde a esperança não tem vida.




Aqui, no veludo das cadeiras
onde sentamos a nossa egoísta tranquilidade
desfaz-se a paz hipócrita, morre no pó da liberdade.
Aqui, no veludo das cadeiras
onde aconchegamos o conforto da nossa casa
chegou a hora de pagarmos pelas ruínas de Gaza.

19 de outubro de 2023

CONVERSAS COM O ESPELHO II

 - Boa noite. Vou-me deitar.

- Olá. Hoje gostei mais de te ver. Não sei se foi por teres feito a barba mas ficaste com um ar mais leve. Mais animado. Menos pesado.
- Ar mais leve? Menos pesado? Deixa-me rir. Depois do que emagreci nestes quatro meses, peso é coisa que quase não tenho. Já reparaste na quantidade de pele que me sobra, nos braços?
- Lá está… é preciso saber interpretar o peso das palavras. Nem leve é leve. Nem pesado é pesado. Mas, deixemo-nos de charadas. Como foi o teu dia?
- Hummmmm, tive boas notícias dos exames que realizei e depois o tratamento com os venenos também correu bem<, de resto foi normal, perfeitamente normal.
- O que é um dia normal? Chato? Assim, assim? Rotineiro?
- Bem, talvez um pouco disso tudo.
- Ou seja, foi uma seca…
- Lá estás tu com os trocadilhos. Seca sem ser seco…
- Ah! Pois, não tem chovido. Hoje ainda choveu, mas mesmo assim não dá a mecha para o sebo.
- Não é nada disso. Podia ter chovido e a seca ainda ser maior.
- Pois… está-se bem!
- Sei que estás a fazer progressos e isso é bom. Optimismo! Sem perder o sentido da realidade.
- Positivismo lógico, talvez.
- Ai, ai, ai, não me venhas, a esta hora, com filosofias baratas.
- Caramba, isto é não é filosofia barata. Positivismo lógico tem a ver com racionalidade, manter a mente aberta, agir em conformidade com o momento…
- Ah! OK! Já percebi. Assim é mais fácil encarar o presente. Sem fasquias demasiado altas…
- Pois. É como aqueles saltadores em altura. Põem a fasquia muito alta e depois, bem depois ou a derrubam ou passam por baixo. Derrota, de qualquer forma.
- De facto, hoje não saímos disto.
- Não saímos de quê?
- Disto. De pôr palavras que não significam exactamente aquilo para que foram criadas mas que, no fundo, todos compreendemos o que querem dizer.
- É uma polissemia!
- Pois, será. Sabes que mais, só tu para abrilhantares o meu dia.
- Ah, isso deve ser da luz. Detesto esse reflexo…
- Eu também. Mas o que está mesmo a apetecer é ir deitar-me.
- Impossível não ser polissémico!
- O quê? poli...quê?
- Mas se foste tu próprio que o disseste há bocado. Polissemia ou coisa no género.
-Polissemia exactamente. Por palavras em frases onde elas não querem dizer aquilo que deviam querer dizer.
- Eu disse isso tudo? Sabes quer mais. Eu quero é ir para a cama.
- Então boa noite. Dorme bem.
- Obrigado, igualmente.
- Ah! Eu não durmo… quando apagares a luz, vou ficar aqui no escuro à espera do nascer do dia, à tua espera.
- Amanhã, logo pela manhã bem cedo, voltaremos a ver-nos.
- OK! Até amanhã...

CONVERSAS COM O ESPELHO I

 - Boa noite. Estava a ver que não vinhas cá despedir-te...

- Sabes bem que passo por aqui sempre antes de me ir deitar.
- Pois... mas hoje vieste cá muito poucas vezes...
- Sabes o que isso quer dizer, não sabes?
- A célebre bactéria perdeu a guerra!
- Não sei se perdeu a guerra mas esta batalha parece que sim.
- São boas notícias, enfim. Da maneira como isto anda...
- Estou mais preocupado é com o que se está a passar em Gaza.
- Coisa séria...
- Seriíssima! Estávamos com tanto medo de russos e ucranianos e ali pode ser coisa bem pior. Pode alastrar a todo o médio oriente e daí ao resto do mundo.
- O Hamas...
- Pois o Hamas e já agora o Hezbollah também. Sabias que foram os israelitas que contribuíram para a criação do Hamas?
- Não me digas!
- Exactamente! Depois, como sempre o monstro volta-se contra o criador, neste caso até os judeus deviam estar à espera que isso acontecesse; mas, o Hamas originalmente destinava-se a "atrapalhar", digamos assim, a Autoridade da Cisjordânia e chegou mesmo a ganhar eleições ocupando 78 dos 125 lugares. Enquanto que a Fatah (cuja principal figura foi Yasser Arafath, lembras-te?) apenas alcançou 34 e perdeu assim a liderança no governo de Gaza e ficou na Cisjordânia também na iminência de lhe acontecer o mesmo.
- Que grande trapalhada. Então uma organização terrorista ganha eleições? Pode candidatar-se?
- Pode, pelos vistos, ali pode. Aliás, o Hamas não é considerada uma organização terrorista por todos no mundo e nem é preciso estar sempre a citar a Rússia ou a Turquia ou o Irão. A África do Sul, O Catar, o Brasil e até mesmo a Noruega e a Finlândia não se pronunciaram contra a existência do Hamas como terroristas mas apenas o seu braço armado.
- Mas, então, aquilo que está a acontecer até pode haver por ali uma confusão propícia aos israelitas ganharem ainda mais terreno com esta incursão...
- Não tenho dúvidas que Netanyahu quer "correr" com os palestinianos empurrando-os para a fronteira com o Egipto e pressionar as autoridades egipcías para acolher mais de dois milhões de pessoas? Nem o Egipto quer que isso aconteça pois mantém no seu território a Irmandade Muçulmana que foi igualmente origem deste Hamas e portanto mais cedências a Israel pode tornar-se perigoso.
- Então como vai ser? Que destino tem essa pobre gente?
- O que os países ocidentais e os estados unidos estão a fazer, com as posições na defesa de Israel é ainda criar nos palestinianos mais ódio, não contra o Hamas mas contra os judeus e os seus aliados. Daí, o discurso hipócrita dos USA e da UE. Podem perseguir, matar, eliminar da face da terra, os terroristas mas se os bombardeamentos matam palestinianos são os efeitos colaterais da guerra, paciência o que se há de fazer? Tem de haver é uma certa parcimónia e proporcionalidade para que o escândalo deste verdadeiro genocídio, que já acontece ao longo de décadas, não se note tanto! Uma treta!
- De facto... como se permite isto?
- Com o silêncio cúmplice das democracias ocidentais.
- Mas não foram os ocidentais que saíram vencedores da segunda guerra que resolveram dar uma pátria aos judeus que andavam espalhados pelo mundo?
- Claro; e deu no que deu! Mas, o melhor é aguardarmos pelos próximos episódios porque agora até o Putin foi a Israel com um plano de paz...
- Ah! Não me digas!
- Digo, digo. Esta guerra tirou-lhe protagonismo por um lado mas convém-lhe por outro; ele tem tudo para com o seus aliados como o Irão para apoiarem esta guerra com os olhos postos na outra que ele arranjou na Ucrânia. Mas vai dizer que tem um plano de paz...
- Ó pá, mas será que este gajo não tem vergonha?
- Nada! Isso é mesmo coisa que não tem!
- Bem, resta-nos aguardar. Estamos num sítio em que as notícias caseiras também não nos andam a deixar muito tranquilos.
- Referes-te a quê?
- Olha lá então ouves? Todos os dias temos facadas, crimes violentos, mais violência doméstica, mais mortes nas estradas, mais tudo o que é mau e...
- E agora temos o O.E. eu até julgava que te referias ao orçamento. Toda gente fala nisso.
- E tu queres falar sobre isso?
- Pode ser mas não hoje. Vou para a cama que já quase que está a dobrar a noite para o dia seguinte. Chichizinho, lavar os dentinhos e chauzinho que se faz tarde...
- Então seja! Amanhã voltamos.
- Se deus quiser...
- Ena! Se deus quiser? nem parece teu.
- Não te preocupes. Foi uma força de expressão.
- Tá bem! Até amanhã.
- Até...
E fiz o chichizinho, bem certeiro com todo o cuidado, escovei os dentes e apaguei a luz. Adeus amigo fica aí na escuridão para veres o que se passa neste mundo onde os loucos parece que tomaram conta. Pobre mundo que até podia ter sempre um Sol, um tecto muito azul e um girassol numa perfeita sintonial

19 de setembro de 2023

AO CAIR DO PANO

O homem interrompeu-se. A plateia esvaziara-se aos poucos e no palco, entregue na sua própria solidão, a visão das cadeiras desocupadas não deixava alternativa. Tinham-no avisado do ambiente hostil mas nunca pensara que fosse assim tão... pegou nas folhas A4 gatafunhadas, um último olhar cansado, começou a batê-las com força, na borda do púlpito, enrolou-as cuidadosamente como se, apesar do visível insucesso, não desejasse que as palavras se perdessem no ar. Olhou ainda, uma última vez, para a sua frente, num silêncio deserto, quando a viu na última fila, junto à parede do lado esquerdo da sal. a, numa semi obscuridade tímida e solitária.
Ela sorriu-lhe triste como um girassol em dia de nevoeiro
Mas ele achou o sorriso mais belo que jamais vira. Então, desceu do palco e num passo vagaroso mas firme pela coxia, e quando chegou à fila onde ela se encontrava, fez-lhe um sinal como quem diz: "Acabou! Podemos ir!"
Ela levantou-se, vestiu o casacão comprido que pousara no colo e quando chegou ao pé dele, beijou-o na face. Ela era surda-muda, mas era o amor da sua vida e, no momento em que sentia essa enorme frustração de ninguém o ter querido ouvir até ao fim, só a sua presença era reconfortante.
Ele sabia que ela estivera a ouvi-lo... .
FALAR é uma necessidade, ESCUTAR é uma arte
COMUNICAR é a arte de ser entendido.

5 de setembro de 2023

A LIBERDADE É UM SONHO

 

Ah! Quem me dera cometer um excesso,
coisa assim, de grande mérito.
que pudesse ter sucesso
sem precisar de inquérito
sem perguntas descabidas
sem artes desconhecidas.
Apenas poder recuar ou avançar no tempo,
fora do tempo.
(MJS, Poemas, 2002)
O amanhã não existe porque ainda não aconteceu.
O amanhã só acontece quando se transforma no hoje.
O ontem também já não existe, porque já aconteceu.
Estamos, então, condenados a viver no hoje?
Mas, o que é o hoje?
Um amanhã fugaz que logo se transformará em ontem?
Não creio que alguém possa saber o que está para acontecer.
Se se pudesse saber o resultado de cada decisão que se toma
ficar-se-ia refém da indecisão de decidir porque se acharia, sempre, que a melhor decisão seria a outra.
Quem crê no destino também acredita no livre arbítrio?
Se o destino já está marcado, há liberdade para escolher ou seja qual for o caminho escolhido, o resultado irá ser sempre o mesmo? Aquele que o destino pré-determinou!
Eu não creio que tenhamos um destino pré-determinado; acredito que somos nós que vamos fazendo o nosso caminho e decidimos praticamente o nosso destino.
A liberdade é um sonho
um voo no silêncio do éter,
na invisibilidade do ar
apenas para voar.
Sair daqui, saltar para um balão
numa única viagem
numa única miragem,
para um só lugar
dentro desse teu magnífico olhar.
(MJS, Poemas, 2002)

CANTICOS DE SEREIA

 

Procura-me nas estrelas, numa lua de encantar.
Leva-me ao paraíso no breve instante do teu olhar,
Toca de novo o meu corpo e escuta-o a falar.
Ouve a minha voz será macia como sereia a cantar.
Os meus olhos têm um segredo a desvendar ,
Ao pé do teu ouvido pra ninguém mais escutar.
Sou feita de sonhos e só tu me fazes sonhar!
(MJS, Poemas, 2002)

1 de setembro de 2023

SETEMBRO ABRIU HÁ MAIS DE 8 HORAS,

 

São coisas que acontecem a quem se deita tarde, amanhece cedo mas, depois dá-lhe uma inusitada preguiça
e vai deixando ficar o esqueleto espalhado pela cama enquanto a "alma" andou a vaguear pela noite...
E, neste "intermezzo" entre o levantar o esqueleto e despertar a "alma"
Anda muita gente a falar de amor mas pouca a saber amar.
Amar também é partir? Romper? Largar?
Pode ser um acto de amor próprio!
A vida informa: falta de coragem
leva à perda de momentos incríveis
leva, sobretudo, à perda de oportunidades de sermos não apenas de existirmos.
E, perguntamos muitas vezes: então e se sair mal?
A resposta (antecipada) não deve ser: vai correr tudo bem! A resposta deve ser: se correr mal, estarei aqui contigo!
A vida viva não se mede pelas vezes que respiramos mas pelas que nos cortam a respiração!

30 de agosto de 2023

 MORREU MAIS UMA BOMBEIRA NO CARAMULO. TINHA 21 ANOS.

DEIXO AQUI A MINHA HOMENAGEM A ESTA BRAVA GENTE QUE ASSIM ARRISCA DEFINITIVAMENTE A SUA VIDA PARA DEFENDER VIDAS E BENS ALHEIOS.
A sombra da cobardia subiu o cume
da floresta, ainda era madrugada.
O fósforo riscou um sinal de lume
no escuro. A Paz assassinada!
Um golpe de vento chamou a fera
uma coluna de fumo negro, desespera
na terra,
onde começa uma guerra.
O monstro cresce, envolto em fumo, abrasador
desce o monte num galope de labaredas
semeia o pânico, nos caminhos, nas veredas
nos gritos da madeira que se torce de dor.
Respondem sinos nas aldeias em rebate,
e as sirenes num alarme avassalador
chamam os homens ao combate.
Para este inferno, nem imaginação, nem Dante,
nem ideia que se faça, podem existir.
A face das gentes deixou de sorrir.
A morte anda agora à solta, um instante,
vulto que tudo tapa com seu manto,
A coragem persiste num heroico rompante,
e a vida vacila no desafio de espanto.
(MJS, Aveiro 30 de Agosto de 2013)

29 de agosto de 2023

 BENGALAS TODA A GENTE SABE O QUE SÃO; até mesmo aquelas que se utilizam na linguagem para apoio ao discurso, ou seja, frases ou apenas palavras que se aplicam repetidamente quando o discurso é coxo e que depois se tornam viciantes.

Mas, também há no linguajar frases ou palavras que normalmente são "bengalas" e que por motivos insondáveis passam a estar na moda, são repetidas até à exaustão a propósito de tudo e de nada, e por fim desaparecem como se, de repente, alguém desligasse a luz. São exemplos, "então é assim", "basicamente", etc e também outras como "zona de conforto", "janela de oportunidade", "fulano é de muita qualidade" (esta mais a jogadores de futebol) "partilhar" que veio substituir o "dividir" provavelmente por uso no facebook e, por último a que surgiu numa daquelas alterações de linguajar sem explicação nem motivo e ainda por cima segundo já ouvi e li, errada na construção mas que parece ter pegado "à séria".
Porquê? Não sei. Mas gostava que alguém me explicasse.
A SÉRIO!!!

 PERDER TEMPO EM APRENDER coisas que não interessam priva-nos de descobrir coisas interessantes. (Carlos Drummond de Andrade)


Verdade! Tantas e tantas vezes nos preocupamos em tentar saber coisas que não interessam para nada que nem damos pelo tempo que gastamos com esse desiderato.
Só mais tarde reparamos que, afinal, o tempo passou e deixámos de ter tempo para aprender as coisas que nos podem ser úteis.
SE O PESSIMISMO TORNA OS HOMENS cautelosos, o optimismo torna os homens imprudentes? Confúcio)
Entre uma coisa e a outra, prefiro o realismo! O pessimismo não favorece a iniciativa nem valoriza a consequência; mas optimismo em demasia torna-nos, de facto, imprudentes. Já Voltaire dizia que optimismo é a mania de sustentar que tudo está bem quando tudo está mal. Seria Voltaire um pessimista?
NÃO DEIXES QUE AS PESSOAS TE FAÇAM desistir daquilo que mais queres na vida. Acredita. Luta. Conquista. E acima de tudo, sê feliz! (autor desconhecido)
Desistir é a maior derrota que se pode ter...

16 de agosto de 2023

QUANDO ABRIMOS OS OLHOS, são as janelas do corpo que se abrem, e tudo o que nos rodeia fica reflectido dentro de nós. O mundo de cada um. Mas raramente o mundo de cada um é igual ao do próximo, embora ambos tenham o mesmo cenário à sua volta. Fica, então, a palavra para descrever o que os olhos vêem.

Mas, não basta ter ouvidos para ouvir o que é dito porque também aquilo que for dito como interpretação do que se está a ver pode ser entendido, pelo outro, de maneira diferente.
Há muitas pessoas de visão perfeita que nada vêem.
"Não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. Não basta abrir a janela para ver os campos e os rios", escreveu Alberto Caeiro
Ver não é coisa natural. Precisa ser aprendido. Nietzsche sabia disso e afirmou que a primeira tarefa da educação é ensinar a ver.
Cummings inspira-se no zen-budismo, quando escreveu: "Agora os ouvidos dos meus ouvidos acordaram e agora os olhos dos meus olhos abriram-se".
É preciso que haja silêncio dentro da alma e aprender a gostar, mas gostar mesmo, das coisas e das pessoas que o cercam.
Essa é a aprendizagem que nos permite deixar apenas de olhar e passar a ver; essa é a aprendizagem que nos concede a certeza de que estamos a ouvir o que o outro está a querer dizer-nos.
E, com isso, aprendemos ainda outra coisa muito importante.
Conseguimos dialogar. E sermos tolerantes.
Vou treinar isto...

14 de agosto de 2023

 DIRECTAMENTE DO CAMPO DE SÃO JORGE, ALJUBARROTA

A REPORTAGEM POSSÍVEL com Nuno Álvares Pereira.
O repórter Pêro Coelho aproveita breve tempo de ansiosa espera pelo avistar do exército castelhano para entrevistar o Condestável D. Nuno Álvares Pereira. Na circunstância a reportagem possível.
- Boa tarde, D. Nuno, qual a táctica para esta tarde?
- Boa tarde, bem, decidi com a concordância de El Rei que dada a proporção das forças em presença, em que cada valente português tem de valer por cinco ou seis, que formaríamos um quadrado defensivo e assim esperamos que sejam eles os primeiros a atacar.
A cavalaria pesada francesa é o meu principal foco mas reservei-lhe uma pequena surpresa. Valas com a largura de dois passos, fundas o suficiente para que os cavalos tropecem e com o peso das vestes e balandraus de malha e o peso dos próprios cavaleiros poucas hipóteses terão de se defender perante os nossos lanceiros leves e rápidos...
- Mas, D. Nuno, esta formação em quadrado não será demasiado defensiva? E se os castelhanos rodearem a formação?
- Mais do que defensiva, quero-a desafiante! Provocatória. O que espero é que eles estando fatigados pela caminhada e vendo-nos aqui, queiram acabar isto o mais depressa possível e cometam os erros tácticos... percam a paciência, por exemplo.
- Oxalá resulte...
- Vai resultar, meu caro. Se bem conheço a impetuosidade dos castelhanos, não aguentarão mais do que uma no máximo duas horas de contemplação e de avaliação.
- E se tentarem rodear a formação pois a nossa rectaguarda parece mais fraca e menos densa?
- Não estou à espera que o primeiro movimento seja pelos flancos, além disso, os nossos arqueiros e besteiros estão preparados para inverter rapidamente o posicionamento e defenderem a posição em perigo. Agora, meu caro, tenho de terminar porque já se ouvem as trombetas castelhanas o que quer dizer que eles nem meia hora vão esperar para começar o ataque. Aliás como lhe dizia; falta-lhes paciência e estudo...
- Obrigado, então. pela sua disponibilidade para esta entrevista...
- Você vai ficar connosco para relatar a batalha?
- Pode crer.
- Então junte-se ali atrás ao Fernão Lopes, o nosso cronista oficial. Ele às vezes é um pouco exagerado mas é bom homem.
- Já agora D. Nuno, posso tirar uma selffie?
- Ó homem acha que consegue comigo aqui em cima deste bicho?
- Vamos ver... olhó passarinho... já está!
- Então pronto. Suma-se!
- Obrigado, D. Nuno. Lá vou...
Mal teve tempo de chegar à rectaguarda quando o chão começou a tremer, qual terramoto e um grande clamor rebentou no campo espanhol. Tal como D. Nuno tinha previsto, os castelhanos não tiveram paciência... e perderam!

12 de agosto de 2023

 Foi neste mesmo dia do Ano da Graça de 1385, com Sol e já um calor intenso que três rapazes saíram de sua casa, em Calvaria de Cima, uma aldeola perto de Porto de Mós despediram-se de suas mães num beijo aflito e dos seus velhos pais com um comovido abraço e rumaram primeiro a Alcobaça onde se juntariam às ordens do "Condestabre" Nuno Álvares Pereira para integrarem a famosa "Ala dos Namorados" em Aljubarrota, onde se decidiria a sorte do trono de Portugal, dois dias depois. Eram irmãos.

Viriato, o mais velho tinha penas 23 anos e deixara de véspera um beijo apaixonado nas lágrimas da face da bela Leanor.
O do meio, Martinho era muito diferente do irmão. Casara novo, com 19 anos pois Letícia uma moça azougada e atrevida prendera-o nos encantos dos seus grandes olhos azuis, lábios de mel e corpo de sereia e desse encantamento engravidara de Martim, numa noite de paixão há um ano atrás.
O mais novo António tinha 15 anos mas insistira no sonho de se tornar um valente ao lado dos irmãos mais velhos.
Levavam uma sacola com um pedaço de broa, rojões secos , queijo, presunto, duas maçãs cada um e a tiracolo um cantil cheio de água outro mais pequeno com vinho da lavra da família para que o dia de caminhada e até à chegada ao acampamento não fosse motivo de fraquezas. Viriato prendera à cinta a velha espada do pai que em tempos defendera Porto de Mós dos castelhanos, quando D. Patrício Moniz era o alcaide mor mas ficara ferido e tivera de amputar o braço esquerdo fruto duma lançada de um inimigo. Para Martinho era uma lança, longa vara de quase dois metros com uma pua pontiaguda cravada na ponta. Dizia que com aquela arma não haveria cavaleiro ou lanceiro que entrasse. Mesmo assim à cintura a faca de caça, lâmina que poderia penetrar no couro mais forte para o que desse e viesse. António passara a semana inteira a preparar o seu arco e a encher o cartucheira de flechas, nem todas conseguiu ter o bico de aço pois o seu tio ferreiro não tinha mãos a medir mas mesmo assim ganhou um pequeno punhal especialmente feito para ele e que o tio e padrinho lhe ofereceu com um comovido abraço de "buona fortuna".
Assim partiram pelos caminhos mais sombrios das matas e pinhais para fugirem ao calor de um Sol que já se mostrava por cima da copa das árvores impiedoso, em direcção ao ponto de encontro. Pelo caminho muitos outros se forma juntando, também homens a cavalo, carroças puxadas a bois com armas e barris de vinho e outros mantimentos, de forma que passada a manhã a andar de passo mais lento quando decidiram merendar já seriam mais de cinquenta e muitos se foram cumprimentando e abraçando por serem vizinhos e amigos nas redondezas.
Havia sorrisos e boa disposição. Passado o calor maior puseram-se a caminho e foi já ao lusco fusco que alcançaram as imediações de Alcobaça e a alegria de chegar foi subitamente interrompida por um tropel de uns cinco cavaleiros montados nos seus ginetes de guerra com armaduras reluzentes e longos montantes presos nas garupas das montadas cobertas com panos brancos e cinza e um trazia a bandeira com o escudo português enquanto outro o brasão de armas.
O susto apoderou-se daquele grupo de rapazes e alguns homens meio desatento e desordenado mas depressa perceberam que se tratava de gente lusa que vigiava os caminhos e preparava a recepção aos que vinham de longe.
Sabia-se que o inimigo vindo de Castela, encontrava-se a menos de três dias de viagem, ia devastando tudo à sua passagem, pilhando e matando quem se opusesse mas isso também atrasava a marcha às tropas de João de Castela, o pretendente ao trono de Portugal por não reconhecer legitimidade a D. João, Mestre de Avis.
Finalmente conduzidos ao acampamento sul, onde ficariam aquela noite foi-lhes distribuída um caldo de feijões quente com pedaço de broa e uma malga de vinho. Depois, para cada um, um corpete de couro rijo, um punhal e uma lança aliás muito semelhante à que Viriato levara.
Pequenas fogueiras foram acesas mas pela madrugada chegou ordem de apagar tudo e fazer o maior silêncio possível pois houvera notícia de que havia portugueses que se tinham passado para o inimigo e tinham fugido ao encontro da tropa avançada de Castela. Traidores que muitos se juntavam assim ao serviço de nobres que defendiam a candidatura de D. João de Castela.
Viriato não conseguiu dormir. Pensava nos pais e namorada que deixara e a noite estrelada fantasiava o pensamento. Martinho sonhava os olhos azuis e os lábios de morango de Letícia e parecia abraçar o pequenino Martim. O mais novo esse dormia ainda no cansaço mal recuperado da intensa caminhada e da excitação das peripécias do dia.
12 de Agosto de 1385 o dia de espera; para amanhã estava-lhes reservada uma tarefa imensa junto ao campo de Aljubarrota, mas isso fica para amanhã e para aquela que foi a famosa Ala dos Namorados.

NB: o texto é uma ficção, parte de uma minha crónica sobre a Batalha de Aljubarrota, por isso qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

9 de agosto de 2023

RICO É QUEM TEM TEMPO

 RICO É QUEM TEM TEMPO...

EU CÁ SOU POBRE!
Não porque não tenha tempo.
O que não tenho é dinheiro.
Por isso, sobra-me sempre tempo ao tempo que tenho.
E, assim, fico sorrateiro.
Para que o tempo passe depressa.
E eu fique com tempo
Para gastar o dinheiro que não tenho.


Se tivéssemos (persistentemente) consciência do quanto nossa vida é efêmera, talvez pensássemos duas vezes (se tivéssemos tempo)
antes de deixarmos passar as oportunidades que temos para sermos e para fazermos aos outros tudo aquilo que gostaríamos de receber dos outros.
Mas nós não sabemos adivinhar por quanto tempo, teremos tempo. por vezes (muitas) descuidamos, cuidamos pouco. De nós. Dos outros.
Por coisas pequenas, por vezes mesmo insignificantes, perdemos um tempo precioso. Gastamos horas, dias, às vezes anos. Umas vezes calamo-nos quando deveríamos falar; outras, falamos quando deveríamos ficar em silêncio.
Não damos o abraço que deveríamos o que nos impede esse gesto de aproximação (?), de amizade, de gratidão. Não damos um beijo carinhoso (não estamos acostumados) e não dizemos que amamos porque achamos que o outro sabe o que sentimos.
Assim passamos pelo tempo, sem vivermos. Existimos apenas, porque já não sabemos fazer outra coisa.
Até que acordamos e olhando para trás. perguntamo-nos:
- Então e agora?! Como recuperar o tempo irrecuperável?
E, poder ser que uma voz interior nos diga num sobressalto.
"Agora, hoje, já, ainda tens tempo para construir,
de dar o abraço amigo, de deixar o beijo carinhoso
de dizer uma palavra de reconhecimento, de agradecer.
Porque para isto haverá sempre tempo..."(Ainda que que o tempo já escorra por entre os nossos dedos...).