19 de setembro de 2023

AO CAIR DO PANO

O homem interrompeu-se. A plateia esvaziara-se aos poucos e no palco, entregue na sua própria solidão, a visão das cadeiras desocupadas não deixava alternativa. Tinham-no avisado do ambiente hostil mas nunca pensara que fosse assim tão... pegou nas folhas A4 gatafunhadas, um último olhar cansado, começou a batê-las com força, na borda do púlpito, enrolou-as cuidadosamente como se, apesar do visível insucesso, não desejasse que as palavras se perdessem no ar. Olhou ainda, uma última vez, para a sua frente, num silêncio deserto, quando a viu na última fila, junto à parede do lado esquerdo da sal. a, numa semi obscuridade tímida e solitária.
Ela sorriu-lhe triste como um girassol em dia de nevoeiro
Mas ele achou o sorriso mais belo que jamais vira. Então, desceu do palco e num passo vagaroso mas firme pela coxia, e quando chegou à fila onde ela se encontrava, fez-lhe um sinal como quem diz: "Acabou! Podemos ir!"
Ela levantou-se, vestiu o casacão comprido que pousara no colo e quando chegou ao pé dele, beijou-o na face. Ela era surda-muda, mas era o amor da sua vida e, no momento em que sentia essa enorme frustração de ninguém o ter querido ouvir até ao fim, só a sua presença era reconfortante.
Ele sabia que ela estivera a ouvi-lo... .
FALAR é uma necessidade, ESCUTAR é uma arte
COMUNICAR é a arte de ser entendido.