3 de agosto de 2015

PRAIA DO CASTELO

Domingo.
O dia amanheceu quente e eu amanheci tarde. 
Custa muito não aproveitar o domingo. 
Deve ser por isso que a cama me agarra até perto da uma.
O pequeno almoço acaba reforçado. Preparo então para um salto à praia. 
Afinal, ainda me falta mais uma semana de trabalho. Depois férias.
Este ano, também não há dinheiro para euforias; é tempo de ficar por aqui.
Por aqui é pela margem sul.
Com a ponte, Lisboa atravessou o rio mais depressa.
Em quarenta anos a paisagem mudou radicalmente. 
O imobiliário explodiu antes de implodir.
Hoje vive mais gente entre Cacilhas e a Quinta do Conde que na capital.
Nos doze quilómetros, entre a Caparica e a Fonte da Telha, vou a todas.
Conforme o dia; conforme a maré; conforme o trânsito.
Hoje é para a praia do Castelo. 
Tem melhores acessos e bom estacionamento. 
Castelo é o nome do restaurante de praia, logo a seguir à linha do comboio.  
Puseram-lhe uns dentes de tijolo, muito certinhos, no cimo da fachada.
Ameias? Talvez demasiado pequenas para fazerem jus ao nome.
Maré a encher. Bandeira verde ao lado da dourada e azul de praia de excelência.
O céu bastante azul! 
O Sol bastante amarelo! 
A areia bastante quente! 
A água bastante molhada!
A loura do biquini laranja, encostada ao balcão, bastante boa!
A esplanada do restaurante a transbordar de gente!
As sardinhas nas brasas e o homem que as vigia a escorrer suor pelo tronco nu.
Cheira a sardinhas assadas mas não cheira a crise!
Vou ao balcão para uma bica rápida.
A moça que maneja a máquina também atende os gritos dos colegas das mesas.
Imperiais, cervejas, águas com gás e sem, naturais, sumos e gasosas.
Um corrupio. Sorri-me. O lado direito do sorriso tem uma falha de dentes. 
Mas tem uns olhos grandes e brilhantes, daqueles que batem pestanas. 
Serve-me o café cheio num pequeno copo de plástico e aponta-me as saquetas de açucar.
Acabaram-se as 'chávinas', diz-me ela, de novo a falhar os dentes no sorriso. 
As chávenas, os pires e as colheres amontoam-se num lava loiça de alumínio. 
O líquido castanho que horas atrás teria sido água, quase afoga o monte da loiça 
Faz-me pensar que o copo de plástico é óptimo apesar de queimar as pontas dos dedos.
Melhor ver a loura do biquini laranja que acena ao preto fardado de nadador salvador. 
Alto e grosso, de cabeça rapada e óculos de sol espelhados, Rayban ou quase,
O preto avança. Espécie de passo de tango arrastado, enlaça a loura e dá-lhe dois beijos.
Ela tem uma risadinha como se lhe tivessem feito cócegas. E vão os dois porta fora.
As mesas com as toalhas de papel marcadas por manchas multicolores
mantêm os cadáveres das sardinhas nas travessas e nos pratos dispersos.
os restos de batatas, os pedaços de alface e as rodelas de pepino e de tomate. 
algumas tiras de pimento como se uma explosão tivesse desfeito o menu. 
Os clientes atrasados remexem-se nas cadeiras à espera do café ou do whisky novo.
Cá fora, uma floresta de cor e de chapéus de sol espalhados pela areia escaldante. 
Há corpos bem bronzeados. Outros mal passados. 
Alguns a disfarçarem as marcas das T shirts ou das alças.
Há toalhas às lisas, às riscas ou nem uma coisa nem outra.
De passagem, a loura do biquini laranja deitada de bruços ao sol. 
Já não está com o preto mas está ao telemóvel. 
Continua boa. Aliás, parece-me boa, de qualquer maneira.
Na beira mar, a espuma vem misturada com areia quando as ondas rebentam aos nossos pés.
Porque será que somos tão parecidos om os pinguins, à beira de água?
Há um casal de gordos em apuros, uns dez metros à minha frente. 
Ele, com braços curtos e grossos numa ansiedade para agarrar a cintura dela. 
Ela dificulta-lhe o desejo. 
Esperneia uma enormidade de coxas. Gesticula uma sinfonia de guinchos.
Uma onda vem facilitar-lhe a obsessão. Primeiro enrola-os. 
Troncos, braços e coxas num agitado bailado de refegos na espuma da areia.
Por momentos, uma massa uniforme rebola no olhar divertido dos espectadores.
Por fim, a onda vomita-os na borda da piscina atlântica.
Ele sacode toneladas de areia dos calções.
Ela compõe a gordura que deixou de caber naquele fato de banho.
Felizes e extenuados! 
A onda também me parece extenuada.
E eu resolvo regressar ao chapéu de sol e à toalha, igualmente extenuado.
O banho ficará para mais tarde!