12 de agosto de 2023

 Foi neste mesmo dia do Ano da Graça de 1385, com Sol e já um calor intenso que três rapazes saíram de sua casa, em Calvaria de Cima, uma aldeola perto de Porto de Mós despediram-se de suas mães num beijo aflito e dos seus velhos pais com um comovido abraço e rumaram primeiro a Alcobaça onde se juntariam às ordens do "Condestabre" Nuno Álvares Pereira para integrarem a famosa "Ala dos Namorados" em Aljubarrota, onde se decidiria a sorte do trono de Portugal, dois dias depois. Eram irmãos.

Viriato, o mais velho tinha penas 23 anos e deixara de véspera um beijo apaixonado nas lágrimas da face da bela Leanor.
O do meio, Martinho era muito diferente do irmão. Casara novo, com 19 anos pois Letícia uma moça azougada e atrevida prendera-o nos encantos dos seus grandes olhos azuis, lábios de mel e corpo de sereia e desse encantamento engravidara de Martim, numa noite de paixão há um ano atrás.
O mais novo António tinha 15 anos mas insistira no sonho de se tornar um valente ao lado dos irmãos mais velhos.
Levavam uma sacola com um pedaço de broa, rojões secos , queijo, presunto, duas maçãs cada um e a tiracolo um cantil cheio de água outro mais pequeno com vinho da lavra da família para que o dia de caminhada e até à chegada ao acampamento não fosse motivo de fraquezas. Viriato prendera à cinta a velha espada do pai que em tempos defendera Porto de Mós dos castelhanos, quando D. Patrício Moniz era o alcaide mor mas ficara ferido e tivera de amputar o braço esquerdo fruto duma lançada de um inimigo. Para Martinho era uma lança, longa vara de quase dois metros com uma pua pontiaguda cravada na ponta. Dizia que com aquela arma não haveria cavaleiro ou lanceiro que entrasse. Mesmo assim à cintura a faca de caça, lâmina que poderia penetrar no couro mais forte para o que desse e viesse. António passara a semana inteira a preparar o seu arco e a encher o cartucheira de flechas, nem todas conseguiu ter o bico de aço pois o seu tio ferreiro não tinha mãos a medir mas mesmo assim ganhou um pequeno punhal especialmente feito para ele e que o tio e padrinho lhe ofereceu com um comovido abraço de "buona fortuna".
Assim partiram pelos caminhos mais sombrios das matas e pinhais para fugirem ao calor de um Sol que já se mostrava por cima da copa das árvores impiedoso, em direcção ao ponto de encontro. Pelo caminho muitos outros se forma juntando, também homens a cavalo, carroças puxadas a bois com armas e barris de vinho e outros mantimentos, de forma que passada a manhã a andar de passo mais lento quando decidiram merendar já seriam mais de cinquenta e muitos se foram cumprimentando e abraçando por serem vizinhos e amigos nas redondezas.
Havia sorrisos e boa disposição. Passado o calor maior puseram-se a caminho e foi já ao lusco fusco que alcançaram as imediações de Alcobaça e a alegria de chegar foi subitamente interrompida por um tropel de uns cinco cavaleiros montados nos seus ginetes de guerra com armaduras reluzentes e longos montantes presos nas garupas das montadas cobertas com panos brancos e cinza e um trazia a bandeira com o escudo português enquanto outro o brasão de armas.
O susto apoderou-se daquele grupo de rapazes e alguns homens meio desatento e desordenado mas depressa perceberam que se tratava de gente lusa que vigiava os caminhos e preparava a recepção aos que vinham de longe.
Sabia-se que o inimigo vindo de Castela, encontrava-se a menos de três dias de viagem, ia devastando tudo à sua passagem, pilhando e matando quem se opusesse mas isso também atrasava a marcha às tropas de João de Castela, o pretendente ao trono de Portugal por não reconhecer legitimidade a D. João, Mestre de Avis.
Finalmente conduzidos ao acampamento sul, onde ficariam aquela noite foi-lhes distribuída um caldo de feijões quente com pedaço de broa e uma malga de vinho. Depois, para cada um, um corpete de couro rijo, um punhal e uma lança aliás muito semelhante à que Viriato levara.
Pequenas fogueiras foram acesas mas pela madrugada chegou ordem de apagar tudo e fazer o maior silêncio possível pois houvera notícia de que havia portugueses que se tinham passado para o inimigo e tinham fugido ao encontro da tropa avançada de Castela. Traidores que muitos se juntavam assim ao serviço de nobres que defendiam a candidatura de D. João de Castela.
Viriato não conseguiu dormir. Pensava nos pais e namorada que deixara e a noite estrelada fantasiava o pensamento. Martinho sonhava os olhos azuis e os lábios de morango de Letícia e parecia abraçar o pequenino Martim. O mais novo esse dormia ainda no cansaço mal recuperado da intensa caminhada e da excitação das peripécias do dia.
12 de Agosto de 1385 o dia de espera; para amanhã estava-lhes reservada uma tarefa imensa junto ao campo de Aljubarrota, mas isso fica para amanhã e para aquela que foi a famosa Ala dos Namorados.

NB: o texto é uma ficção, parte de uma minha crónica sobre a Batalha de Aljubarrota, por isso qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.