3 de agosto de 2023

 HÁ UMA SEMANA ATRÁS:

O quarto dia de internamento em urologia não tinha corrido grande coisa; continuava sangue a aparecer na urina e tinha algumas dores quando um coágulo da bexiga me entupia o “sistema” e era preciso repor a algália para que a lavagem prosseguisse e o saco de soro pendurado e ligado ao braço pelo cateter também voltasse a funcionar ao ritmo desejado. E, estas manobras são sempre um pouco mais dolorosas. Mas depois, aliviam…
Não sabia como nem quando poderia ter alta e vir para casa que era o que mais ambicionava - e continuo a querer com todas as minhas forças, pois não há nada como estar em casa, junto da família e retomar as forças - mas enquanto a situação assim se mantivesse, estava fora de questão.
Estava a ser muito bem acompanhado e tratado pelas enfermeiras e pelo pessoal auxiliar e como estava só num quarto, a mandado do médico para me tentar proteger o mais possível dum surto de covid nuns quartos a seguir, mal tocava a campainha aparecia logo alguém a perguntar se estava tudo bem e o que desejava. Jantei menos bem. Não tinha nenhum apetite e o jantar também não puxou. Comida de hospital. Infelizmente não ajuda e muito saberão do que estou a falar.
A noite caiu lentamente através da janela com um por de Sol fantástico coberto por um crepúsculo e até que tudo se apaga e fica uma pequena “luz de silêncio” aos pés da cama.
Finalmente, por volta das onze horas, depois de ter tomado os dois comprimidos para as dores e para dormir melhor, devo ter adormecido!
Inevitavelmente, nestas ocasiões em que nos encontramos com o nosso pensamento mais solitário e focado na doença, lembrei-me muito do meu pai e do caminho que também ele teve de percorrer, durante quase oito anos até ao dia em que tive de o acompanhar às urgências de São José e nessa madrugada partiu. Na manhã seguinte, quando fui à visita com a minha mãe, o meu pai já tinha "fechado a porta"… foi um choque embora eu tivesse uma espécie de premonição de que ia acontecer. A verdade é que o meu pai estava já demasiado cansado e eu sentia que ele desejava “ir-se embora mas pelo menos numa "saída" o mais calma como sempre tinha sido a sua vida.”.
Não consigo dizer-vos se estava a apenas a pensar nisto tudo ainda acordado ou se foi a dormir – quero acreditar que fez parte do meu “sonho” pois, como sabem, é-me difícil crer de outra forma – mas que algo se passou na minha cabeça, disso não tenho dúvidas, e no momento seguinte, depois de ter pedido “pai, ajuda-me, estou muito dorido tu que tanto lutaste; por isso, ajuda-me… diz-me como se faz”. comovi-me com o meu próprio grito surdo de alma e o vulto que estava ali sentado aos pés da minha cama continuava no meu sonho. “Mas és tu, pai? Como é que conseguiste…”
Pareceu-me ouvir a voz dele na minha cabeça. “Não preciso bater a nenhuma porta nem pedir licença a ninguém para estar contigo. Vim ajudar-te a não estares tão só…” Não pude evitar as lágrimas porque sempre o tive presente quando precisei dele e podia contar com a sua palavra, raramente de censura mas por isso mesmo, para mim, sempre tão valiosa. corrigia como só ele sabia fazer. Não sei do resto, nem do tempo, mas sei que o sonho teve o condão de me apaziguar o espírito e as dores do corpo e se acordei só lá estava a luz de silêncio a reflectir as pernas de uma mesa junto à parede e o silêncio subitamente interrompido por alguém, no quarto ao lado que precisava de ajuda.
Não sei quanto tempo ainda fiquei uns momentos a decifrar o meu sonho pois só de manhã veio a voz da auxiliar acordar-me “Sr. Mário vamos pró duche, tá bem?” e eu, claro que sim, apareceu a enfermeira para me tirar sangue como acontecia todas as manhãs, o movimento aumentou e pouco depois, banho tomado, corpo vestido de lavado e mais um saco de plaquetas pendurado ao lado do soro e chegou o pequeno almoço. “Tudo bem consigo, sr. Mário?” Lembrei-me do sonho que tinha tido, aquele momento fugaz cuja incapacidade de reproduzir é igual a impossibilidade de esquecer. “Obrigado pai. Pela companhia… e, por tudo"