14 de julho de 2020

AFINAL ERA TÃO SIMPLES

Reuni a coragem pública para fechar o dia abrindo com o que pode guardar um coração, naquele que foi um dos períodos mais atribulados da minha adolescência.
O tempo das paixões!
Uma sucessão vertiginosa de renúncias que se acumulavam, perseguidas pelo temor de ouvir "um não", desenhado nuns lábios indelicadamente trocistas. Nos delas, claro!
A minha baixa autoestima insultava-me à frente do espelho, penitência pela envergonhada conduta que gerava sucessão de dilacerantes desamores, guardados no mais profundo dos esconsos do meu coração.

O tempo em que todas eram lindas!
A morena dos olhos negros, a ruiva das sardas e olhos mar, a professora de história, a hospedeira do prédio em frente, a loura das tranças e dos soquetes laranja, a franja risonha com o vestido dos malmequeres verdes, a amiga da ruiva, do cabelo negro à "garçon" e calções com suspensórios.
O tempo dos treinos das palavras!
Estudava frases, passes, gestos, incutia a mim mesmo uma vontade inabalável de empurrar a decisão e depois, chegava o momento, chegava ela e eis que a coragem se ia pelo cano e assim ficava remordendo as palavras imprestáveis.
Mais valera o sofrimento de Tristão por Isolda, de Romeu por Julieta, de Pedro por Inês, de Sansão por Dalila, de Páris por Helena, de Marco António por Cleópatra, de Vadim Maarslov por Mata Hari que embora tivessem acabado mal, pelo que é conhecido, viveram amantíssimos enquanto estiveram vivos!

Um dia fez-se um clique qualquer e - já nem sei bem como - foi nas férias quando fomos à matinée no cine Caparica ver o "Alamo" - enquanto o David Crocket ia despachando o exército de Sant' Anna - quase torci o pescoço para lhe dar um beijo na boca, meio desajeitado e ela olhou para mim sem surpresa, sorriu, deu-me a mão, pôs a cabeça no meu ombro e ficámos a namorar(?) o resto daquelas férias!
Afinal era tão simples...