5 de fevereiro de 2021

SOZINHO EM CASA

 

- Já moraste sozinho?
- Não. Porquê?
- Então não sabes o que é solidão!
- Dizes isso porquê? Quantas vezes estamos cercados de gente e...
- Pois, está bem, já sabia que ias dizer! Mas isto assim é horrível!
- Logo falamos... agora tenho de mandar uns mails... até logo.
- Ciao... - desligo a chamada do Vítor -
Tenho as estantes cheias de livros; sou capaz de saber todos os que não li e que comprei por comprar, num impulso. Ficaram deitados, às vezes meses, numa pilha na prateleira debaixo da mesa da sala antes de irem intrometer-se numa das filas da estante, atrás de molduras e de bibelôs; poderiam ser excelentes companhias mas agora não me tem apetecido ler.
Tenho três gavetas da escrevaninha cheias de CDs de tudo o que toca, orquestras ligeiras, o Paul Mauriat com os sons dos Beatles, dos ABBA, dos Bee Gees, filarmónicas e sinfónicas, a opus 41 do Mozart a 5ª do Beethoven, o Hino da Alegria com a Sinfónica de Viena e o Von karajan e o Bernstein, as valsas do Strauss e os nocturnos de Chopin; e a música popular brasileira, e os grandes poetas letristas e os albuns dos grandes anos 60, 70 e 80 e os meus "animais de estimação" e as suas baladas de Scorpions, White Snake, Guns N' Roses, Aerosmith... e tantos outros só que não me tem apetecido ouvir música.
Tenho ligado a televisão mas desespero à procura de algum canal que não esteja "contaminado" pelo vírus da actualidade e também não seja com aqueles filmes que já passaram centenas de vezes, por isso passo horas em "zappings" frustrantes até que carrego no botão do comando para desligar aquilo e recostar-me exausto no sofá.
Venho aqui ao PC teclar coisas sem nexo que elimino, entrar no mail para ver se há novidades de alguém que eu não conheça ou abrir o facebook ler meia dúzia de posts dos amigos e de outros que nem conheço, num esforço de comentar, para logo deitar abaixo, porque não me apetece escrever. Fujo, sei lá porquê, de responder no messenger aos amigos que me interpelam, que me mandam uma foto de uma anedota qualquer ou um vídeo que nem chego a abrir.
Olho, pela janela, a rua deserta com os mesmos carros alinhados no passeio há um mês, o alfa preto do meu vizinho do segundo B à procura de lugar para estacionar, parece ser o único aqui do prédio que volta do trabalho de controlador aéreo no aeroporto e, à porta a dona Arminda e o marido do sétimo D que chegam do Pingo Doce com os dois sacos carregados de compras. O resto é uma rua cinzenta como o tempo que faz, como os prédios de fronte, como o jardim antes da curva, como as lojas fechadas, o café do sr. Luís e a lavandaria do gajo indiano, mal encarado mesmo quando não há confinamento.
Em meses de confinamento, sem poder sair à rua, sem encontrar gente, sem falar com alguém cara a cara, sem ser pelos "whatsapps", quem se sentirá acompanhado ou por outra, quem será capaz de não se sentir só? Vou deitar-me. Demoro algum tempo a olhar a cama a medir o tamanho da minha vontade. Será que é sono o que sinto? Ou será que é apenas cansaço da vida? Apago a luz e cerro as pálpebras no esforço de chamar o sono e ponho-me a pensar nos tempos que me parecem distantes, tão irrecuperáveis, de antes da pandemia.... oxalá sonhe esta noite com gente alegre e a liberdade primaveril dos girassóis!
Solidão é não gostar de estar consigo próprio.
É menosprezar a vantagem de estarmos livres para fazermos o que bem entendermos sem que tenhamos de nos preocupar com os outros; mas, nós não somos ilhas embora possamos viver em ilhas.
Saramago disse que "para conhecermos a ilha é preciso sairmos da ilha" pois poderá ser verdade. Gosto do Saramago, acredito!
Será que se sair de mim, saberei melhor o que sou? Quem sou?
E, será que isso me ajudará a estar só (comigo)?
(... e foi a minha homenagem a quem vive só este confinamento... )