O meu
primo passou a plantar-se entre mim e a janela da Aninhas e as
conversas passaram a ser a três. Ou melhor. Continuaram a dois
porque ele monopolizava a janela e a conversa. Aninhas, sempre
sorridente a ouvi-lo, cruzava os braços no peitoril da janela e debruçava-se tanto que os
seus dois generosos seios dos seus resplandecentes quinze anos, tanto se alvoroçavam irrequietos nas blusas como brotavam
incandescentes dos decotes das camisolas que ela usava consoante as
estações do ano ou as temperaturas do dia.
Uma terça-feira, o Zé
telefonou com uma proposta inovadora para a tarde. No Alvalade, cinema que ficava agarrado ao prédio onde ele
morava, passava o filme. Um daqueles que nunca mais se esquece na vida
Ó pá, é que se vê as mamas à
Lollobrígida! E, descrevia-me a cena com tal pormenor que julguei que
ele já tivesse ido ver o filme. O resto era chato. Achava que tinha umas batalhas porreiras, "Mas pá, é mesmo a sério…
as mamas da Lollobrígida são um verdadeiro monumento!"
Havia um
pequeno senão. O filme era para maiores de dezasseis anos e eu só tinha
catorze. E havia também aquele porteiro que se encarregava de travar os espertinhos. A necessidade aguça o engenho. A solução era vestir umas calças
para parecer mais velho.
Ó Chico, pá, mas eu não tenho nenhumas
calças de jeito. Só calções! Disse-lhe a roçar o pânico. Só se tiver algum par que te sirva. Lá fomos a casa dele primeiro. Eu confiava no seu saber
destas coisas. Milagre. Havia mesmo um par de calças azuis escuras, um
pouco amarrotadas mas que serviam perfeitamente. Eu, apesar de mais novo, era quase do tamanho dele. "Tás um homem…". E deu-me uma
palmada nas costas e confiança para desafiar o porteiro.
A matinée tinha muita gente. Plateia
praticamente cheia. Só vagas nas duas primeiras filas. Demasiado à
frente. Primeiro balcão demasiado caro. Nem pensar. Comprámos segundos
balcões. Apagaram-se as luzes e nem sabia quando aparecia a Lollobrígida
com as ditas à mostra ou será que havia algum truque?
"Não sei, pá. Acho que estão mesmo todas de fora…é a seguir ao intervalo."
O intervalo era desesperadamente tarde, apesar de ser a meio do filme, mais ou menos. Eu a perguntar a mim mesmo porque é
que o realizador não teria feito a cena antes do intervalo.
Apagaram-se, de novo, as luzes e depois da batalha de Waterloo, o meu
primo sobressaltou-se.
"Acho que é agora… na tenda com o tenente…acho que foi o que o Carlos disse."
Veio a tenda com o tenente ainda do lado de fora a dar ordens a uns soldados. A Lollobrígida, no interior, meio recostada numa ‘chaise longue’;
despida da cintura para cima, prepara-se para ser pintada por um artista
qualquer quando entra o tal tenente.
"Que costas lindas, aprecio em
voz demasiado alta." Um ‘chiu’ de um parvalhão qualquer que não gostava de costas e o meu primo
a completar:
"Espera até veres o resto.". E a câmara a rodar. Ah! Ela
levanta-se e tenta ocultar os seios com os braços nus, surpresa com a
entrada do militar. "É agora! Aí estão elas!" Quase gritou o meu primo e eu num esforço para não perder nada. Desta vez ninguém mandou calar ninguém. Suspense absoluto. Afinal quantos tinham ido ver as mamas da Lollobrígida?
Mas, a imaginação
cavalgara a cena ou a censura cortara o arrojo. Só o tenente parecia ver. Com o olhar confuso e voz trémula mas ninguém prestara atenção ao diálogo. Para
nós, os que pagámos, foi pouco por muito pouco… tempo. O meu primo comentava que nunca tinha visto nada igual. Eu, sinceramente, tinha gostado muito das costas. Essas sim, vi-as
todas. Do pescoço por ali abaixo. O meu primo assegurava num entusiasmo.
"Olha que deu para ver. São assim como as da Aninhas quando está à janela, percebes?"
Percebi. Nunca tinha percebido outra coisa. Então, a partir dessa tarde,
em que quase fiquei apaixonado pelas costas da Lollobrígida, percebi
ainda melhor. Nunca mais dei ao meu primo o lugar que ficava do lado
da janela da Aninhas. Era eu que devia estar ali a falar com ela como o fazia antes da chegada do meu primo. Afinal a vizinha era minha, não dele. Ele que fosse ver os filmes das Lollobrígidas todas
quantas vezes quisesse...eu gostava mesmo era de conversar com a
Aninhas.
Pelo menos enquanto não viesse a censura abotoar-lhe as blusas ou fechar-lhe os decotes às camisolas.