9 de junho de 2022

AO CAIR DO PANO

 

Quando levamos já umas boas décadas de existência e nos viramos para trás enfrentamos uma estranha sensação de que tudo está,
simultaneamente, longínquo e próximo, um passado que, irremediavelmente, se consumiu no tempo de um fósforo.
Desde quando comecei a sentir esta vertigem?
A vida escorreu por mim num repente.
Como naqueles filmes em que o realizador decide por as imagens a uma velocidade que as faz desfilar, tão rápidas como se nada de interessante ou importante se tivesse passado nesse entretanto.
Depois, quando o filme volta à velocidade normal, já passou muito tempo.
“A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira!
Quando se vê, já é Natal...
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê passaram 50 anos!
Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Iria em frente e jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas...”
(Adaptação do poema "666”, de Mário Quintana)
Somos seres paradoxais servidos por memórias selectivas, punitivas, raramente purificadoras, maioritariamente apaixonados pelo futuro,
perdulários do presente, saudosos do passado.
Nesta atrapalhação que nos faz pensar hoje menos naquilo que fizemos ontem e mais no que tencionamos fazer amanhã,
vivemos um presente matizado por memórias, acontecimentos e projectos.
Alguém inventou que tempo é dinheiro, para que se trabalhe mais depressa, se ande mais depressa, se descanse mais depressa, se coma mais depressa, se faça tudo mais depressa, mesmo que muita coisa não tenha pressa de ser feita e muitas outras fiquem mal feitas por terem sido feitas à pressa. Porque não aproveitar o tempo é uma inutilidade. E perder dinheiro, uma calamidade!
Mas, tempo vale muito mais que dinheiro. É o que se tem, de mais precioso, para se gastar. Aproveitar o tempo não é fazer tudo mais depressa mas fazer no tempo em que deve ser feito e cada coisa tem o seu tempo para ser feita, sem pressa, nem vagar.
Estou numa fase da vida em que decidi impor a mim mesmo a regra do "mais devagar", saborear, até porque a doença pôs-me a pensar de uma maneira diferente.
Aproveitemos o nosso tempo. Aproveitemos esta noite de encantar.