9 de novembro de 2016

O NÚMERO UM DAS RAÇAS HUMANAS


O senhor Lino tinha ar carrancudo, sempre de fato cinzento escuro às risquinhas brancas e gravata grená magrinha com nó a desaparecer no colarinho sempre muito grande. 
O senhor Lino era 'os olhos e os ouvidos' do senhor director com um cubículo ao lado da sala dos professores de onde saía nos intervalos dos tempos de aula a flutuar pelo recreio num silêncio de sombra para um eficaz desempenho da missão de vigilante.

A dona Marta a senhora pequenina e roliça que espreitava atrás do balcão da loja, tabacaria/papelaria/livraria, amontoado de jornais livros e revistas numa aparente desordem pois encontrava sempre tudo o que lhe era pedido também vendia as saquetas com os cromos das 'Raças Humanas', colecção de caras e figuras de homens e mulheres trajados e adornados à moda dos seus países e regiões que saltavam em grupos de três de cada uma. 
O mais difícil, segundo se dizia, era o cromo número um, 'homem de Bali' que um dia me saltou da saqueta e para minha admiração era igualzinho ao senhor Lino, excepto no trajar. Os mesmos olhos pequeninos de pássaro, a mesma beiçola descaída de ar meio perdido e as orelhas grandes a despegarem-se da cabeça.

Levei comigo o cromo e no intervalo das dez e vinte, no momento em que no recreio se negociavam as trocas dos cromos repetidos, mostrei o cromo do 'homem de Bali'.. E foi assim que o senhor Lino, um cromo vigilante 'olhos e ouvidos' do senhor director, passou a cromo 'número um das raças humanas'!