12 de novembro de 2016

UM VERÃO À SÃO MARTINHO 1



CONHECI O MARTINHO na tropa, em Tomar. Filho de industrial de Guimarães, o aspirante Martinho apresentava-se no quartel num Triumph TR3 vermelho, desportivo de 2 lugares, prenda de anos dos pais. coisa reservada a filhos de gente abastada. 
Num fim de tarde tempestuosa, quando regressava a casa de fim de semana, o céu parecia desabar em convulsões de água, tanta, que os limpa pára brisas do Triumph não conseguiam melhorar uma visibilidade apenas translúcida enquanto a trovoada espessa se ia amontoando para norte, no cume da serra. 
Apesar de rodar a velocidade moderada, só deu pelo velho quase em cima dele. Com o susto causado pela travagem quase suicida e depois impressionado pela figura esgotada do velho de farrapos ensopados pela intempérie logo ali decidiu levá-lo a casa e dar-lhe uma refeição quente. 
Já passavam as onze da noite dessa sexta feira quando deixou o velho num casebre perdido no meio da serra pois era ali que ele vivia sem ninguém de família por perto. A filha que casara e fora para a Venezuela com promessas que voltaria para o levar, enviava-lhe dinheiro, fotos dela com os dois netos lindos e mais promessas que seria para o ano. 
Sempre para o ano. 
Cinco anos passados de cartas e mais cartas com promessas. 
Por fim o silêncio. Há seis meses as cartas pararam.
E, ele perdido no tempo e no silêncio da serra vivia de recados e de pequenos trabalhos nas quintas das redondezas enquanto ia amarrotando esperanças e abafando cuidados. 
Martinho já não foi a casa nesse fim de semana.
Ocupou a manhã de sábado às compras pelas lojas de Tomar. Dois blusões bem quentes, mais duas camisolas, uns cobertores, calças e dois pares de botas. E arroz, feijão e massa. Conservas. Depois, Triumph vermelho carregado rumou ao casebre perdido no meio da serra e foi assim que nasceu uma amizade especial com o 'avô' Falcão.