18 de janeiro de 2017

HÁ HORAS DE SORTE...

HÁ HORAS DE SORTE...
JOSÉ AÇO, EMPREGADO DE MESA num café da baixa portuense foi o primeiro apostador do totobola a ganhar mais de dois milhões de escudos (2.000 contos ou 10.000 euros) graças ao sensacional palpite da filha com nove anos de idade. Foi há 52 anos ( a 18 de Janeiro de 1965). A notícia veio no Diário Popular e apesar de em 1965 dois mil contos ser quantia milionário, reza a notícia que o senhor continuou a atender às mesas, todos os dias, os clientes do café onde estava empregado há mais de dez anos.
Há horas de sorte!


ADRIANO, MEU AVÔ MATERNO que foi responsável pela loja de Valentim de Carvalho na rua Nova do Almada, era também ( dizia a minha avó ) afinador de pianos e entendido em transacções de instrumentos musicais, ainda eu não era nascido.
Uma manhã de primavera, a velhota de lenço minhoto na cabeça e aspecto modesto abordou o meu avô, quando este abria a loja. vendia lotaria. Na mão direita uma tosca bengala ajudava a perna frágil e cansada enquanto na outra mão exibia harmónios de uns bilhetes da lotaria.

"O senhor aproveite este Sol e ilumine a sua vida. tem aqui este terminado em 3 que é a conta que Deus fez...
O meu avô achou graça ao jeito dela e acabou por lhe comprar uma cautela do tal número que terminava em 3. Na sexta feira andou á roda mas o meu avô nunca mais se lembrou da cautela mas na segunda feira seguinte, ao abrir da loja, o meu avô viu a velhota 'cauteleira' subir vagarosa e esforçadamente o início da rua. Esperou à porta da loja e quando ela chegou:
"Bom dia minha senhora! Lembra-se de mim?"
"Então não me lembro! Eu não lhe dizia que ia ter um raiozinho de Sol na sua vida?"
"Ai sim? Então diga lá!"
"Então o senhor não viu? Teve prémio. 10 vezes o que pagou"
"Oh, oh, oh, não me diga. Ainda aqui tenho no bolso a cautela Como é que vamos fazer isto?"
"Se quiser o prémio vai ao Rossio que eu não ando com tanto dinheiro para destrocar mas se quiser.... compra-me o bilhete e fica tudo pago"

O meu avô hesitou, enquanto a velhota se encostava à parede com os olhos brilhantes a assomarem por baixo do bico do lenço.
"Está bem! Ficamos assim... a partir de hoje jogo sempre com esse número todas as semanas, pode ser."
"Se pode! Uma boa escolha, cavalheiro e muito agradecida.."
"Espero que tenha sorte...".
"Dito e feito, meu caro senhor.... aqui o tem!"
"Como se chama, a senhora. Eu chamo-me Adriano Rodrigues e estou sempre aqui na loja. Se alguma vez tiver de me ausentar deixo alguém com o dinheiro e a quem pode confiar as cautelas".
"Sou a Etelvina, meu bom senhor e que a sorte vire os olhos para o seu lado e ilumine a sua vida".

Passou um ano. Passaram dois anos. Etelvina passava sempre pela loja, segundas de manhã, deixava o bilhete com o número da sorte e o meu avô lá ia, de quando em vez, tendo uns raiozinhos de Sol para dividir em prendas com a minha avó, a minha mãe e os meus tios. Nunca ganhou nada demais. Mas, como ele dizia, lá ia dando para uma passeata, num qualquer domingo em que iam de charrete almoçar, fora de portas, ali para os lados do Campo Grande e passar a tarde a respirar o ar puro do campo.
O inverno tinha começado há uma semana e tinha vindo muito frio e molhado quando numa manhã de segunda feira, já passava das onze, um rapaz de fato gasto e acanhado e molhado da cabeça aos pés entrou na loja e dirigiu-se ao meu avô:
"Bom dia. É o senhor Adriano?"
"Sim sou eu."
"Eu sou o Álvaro, sobrinho da Etelvina da lotaria..."
"AH! Estava á espera da sua tia, mas não apareceu até agora e.."
"Pois. A coitada está com a pneumonia. Passou a noite muito mal e pediu-me para lhe trazer as cautelas..."
"Coitada. Então deixe lá ver que eu lhe pago,..."

O rapaz tirou de um saco de pano grosso, uma série de cautelas, meio molhadas e mostrou-as, mas o bilhete reservado, estava já quase todo vendido e só restavam quatro cautelas. 
O meu avô desencantado.

"Então a sua tia não lhe disse nada?"
"É que, pois, não me lembro se....talvez..."
"Bem, bem! Já vi que temos confusão. Mas, pronto. O que não te remédio.....olhe fico com o que resta".
"Obrigado, senhor e desculpe. Não me lembrei de separar..."
"Pronto, pronto. Não seja por isso. Vá lá à sua vida. E as melhoras da sua tia coitada. O pior mal é o dela. Vá lá!"

Na sexta feira andou à roda como sempre. O número do bilhete que o meu avô costumava comprar inteiro, teve o primeiro prémio. A sorte grande. O meu avô teria ficado milionário. Assim teve os raios de Sol que o sobrinho não tivera tempo de vender.