3 de agosto de 2017

ÀS VEZES TEMOS DE CONTAR CARNEIROS...


MOHAMED JAMAL AL-KHALIL, Califa de Hafar al-Batin, uma fortaleza rodeada por uns milhares de casebres no norte do oceano saudita, de areias escaldantes, mas muito perto das águas amenas do golfo onde', aliás, se deslocava frequentemente com as suas dezoito belas e jovens esposas e os vinte e sete filhos e mais todos os serviçais do palácio; apesar das enormes riquezas que possuía e da vida faustosa que levava, era atreito a insónias e tinha imensa dificuldade em adormecer. 
Um dia, o seu conselheiro mais íntimo pareceu encontrar a solução - contratar um contador de histórias para o ajudar a adormecer. 
Mohamed entusiasmou-se com a ideia e logo mandou mensageiros por todo o lado à procura de algume que soubesse contar boas e compridas histórias.
Após quase três meses de intensas buscas, finalmente, o conselheiro trouxe à sua presença um velho de andrajoso que se dizia ter imensas memórias que decerto tanto agradariam ao califa e muito prazer lhe dariam em poder contribuir para o bem estar de tão ilustre pessoa.  
O velho aparecia no palácio ao cair da noite e logo se dirigia ao aposentos do califa com livros muito bem escritos e cheios de aventuras tão interessantes que lia, madrugada dentro, com o Mohamed sempre muito atento até que amanhecia e ficava mais uma noite sem 'pregar olho'.
Quase a ser despedido por não saber cumprir o acordado e mais do que isso, ameaçado pelo califa de que lhe mandaria cortar a língua pois era inútil uma vez que as suas palavras não lhe traziam o sono, o contador em aflição resolveu inventar que um mercador rico comprara duas mil ovelhas e precisava levá-las para o seu pasto mas tinha de atravessar um rio muito largo e só tinha um pequeno barco que comportava apenas quatro animais de cada vez.
O Califa precisaria, assim, de ouvir o contador de histórias contar, uma a uma, as quinhentas viagens que o mercador tinha de fazer para passar as ovelhas de uma margem para a outra e como as travessias eram contadas com tanto pormenor que a monotonia e o tédio se apoderavam dele de tal maneira que acabava por adormecer profundamente, sem nunca conhecer o fim da narrativa.
Uma noite, em que já estava preparado para ouvir mais uma travessia, movido pela curiosidade, o Califa exigiu do contador que lhe contasse o fim daquela história pois não tinha já paciência para ouvir mais travessias e podia o efeito ser contrário e não adormecer daquela vez.
O velho recusou prontamente e mesmo perante a insistência do Califa manteve a recusa e tanto que, nessa mesma noite, o Califa o mandou prender por desobediência. 
O califa desesperado por não dormir, foi ao calabouço onde estava preso o contador de histórias e mandou que torturassem o desgraçado dizendo que assim ficava pago o contrato pois também o velho com a sua recusa o deixava numa tortura sem fim. 
Então, o velho com voz débil e amargurada disse: 
- Não vale a pena mandares que me torturem, senhor, pois também eu não sei o fim da história já que também eu adormeço à sua cabeceira, todas as noites,muito antes de terminar a última viagem do barco com os últimos quatro carneiros.