29 de março de 2022

PARTIDAS SEM DESPEDIDAS


Ali estava ela, a mala ao lado, na plataforma 3 onde o autocarro estacionado iria partir daí a um pouco. Há sempre um misto de expectativa e ansiedade nessa espera pela chegada da partida.
O motorista veio abrir as portas do porão, e logo malas, sacos e outros objectos foram desaparecendo. O homem olhou para os lados, para todos os que iam, para os que não iriam mas vieram despedir-se dos que iam.
"não há mais nada?"
o silêncio foi a resposta suficiente porque de imediato, fechou as portas e voltou para o lugar dele ao volante
"fazem favor de embarcar"
e assim começou o embarque, mostrámos os bilhetes, lugar marcado, o meu era a meio, do lado da janela...18... sentei-me e ao meu lado sentou-se ela. Pareceu-me, agora que a via bem perto, que era bastante nova e com um cansado, ou talvez mais de desalento. Triste sem dúvida. Fiquei a olhar através do vidro, o Sol forte, batia de frente. Passaram minutos... talvez ela estivesse à espera de alguém que não apareceu. Como eu, afinal.
Se tivesses vindo para nos despedirmos. Teria sido o sinal para que eu tivesse ficado mais umas horas. Mais uns dias. Para sempre?
Talvez... talvez... um táxi parou, do lado de fora, mas não.... não eras tu.
Mas ela, ao meu lado, o rosto iluminado por um enorme sorriso. Correu pelo corredor e saltou quase num voo para os braços do passageiro do táxi que entretanto a esperava, porta aberta, e assim permaneceram, nos braços um do outro, olhando-se apenas.
"Menina, está na hora! Vem ou fica,?"

O motorista a ficar ansioso enquanto os dois, à porta do autocarro se beijavam... depois, ela olhou-o uma vez mais, virou-se e voltou a entrar e uma vez mais saiu um último beijo e o motorista impaciente perante os sorrisos dos passageiros
"Aí, aí, aí, decida-se lá por favor."
Ela voltou a subir e o motorista aproveitou para fechar a porta.
"Vamos, menina, faça favor de ir pró seu lugar" Ela voltou a sentar-se ao meu lado, acenando através da janela, acenando ele do lado de fora, a entrar por sua vez para o táxi.
Não! Já não virias despedir-te! Chegou a hora e tudo começou a mover-se, a ficar para trás. Edifício do terminal. Bilheteiras. Plataformas. Estacionamento. Mais gente com malas e sacos à espera de outros autocarros. Depois a estrada, longa, de umas seis horas de viagem. E, enquanto via o próprio rosto reflectido no vidro da janela, pensei. - ainda bem que não vieste - não teria suportado ver-te, cada vez mais longe, mais pequena, até àquele limite em que se desaparece do olhar. se calhar até àquele momento em que se desaparece da vida. Melhor assim.
Trouxe-te na minha memória, no bater do meu coração, a recordação dos teus lábios nos meus , dos teus braços nos meus, do teu corpo, no meu, das caminhadas de fim de tarde, da tua mão na minha, das noites iluminadas no baloiço do alpendre.
Trouxe na minha bagagem tudo o que juntei neste tempo dos dois. Tivesses vindo, não sei se seria capaz de partir. Foste sempre a melhor parte dos meus dias.