21 de agosto de 2016

UMA MELGA NO QUARTO


Não sei se já lá estava à minha espera se entrou enquanto estive a fingir que lia mais duas páginas daquele livro que ando a fingir que estou a ler só para chamar o sono. Seja como for quando apaguei a luz, perto das três horas. tinha um sono fatal. Mas, ainda nem meia hora depois, um zumbido de caça ao ataque,
(os alemães na segunda guerra tinham uns aviões, os 'stukas' que quando atacavam, faziam um zumbido aterrador para os soldados que os esperavam em baixo)
que me fez acordar em sobressalto. Acendo logo a luz e aguardo pacientemente que poise num sítio que a deixe a descoberto
(consigo transformar-me num feroz predador de almofada, jornal, ou revista, sapato ou chinelo, seja o que for, em punho e vou numa caçada por todos os cantos do quarto até que, ei-la pousada na porta do roupeiro, na moldura do espelho, bem perto no espaldar da cama, se muito esperta no interior do abat jour ou, ó suprema satisfação, se muito estúpida, na parede branca ali bem à vista)
ou vou ser picado por várias vezes, em vários sítios do corpo, com consequências para o meu descanso. todo o resto da noite,
(desde criança que tenho uma péssima relação com este insecto arraçado de vampiro que aliás segundo relatos da minha mãe, vem desde o berço. Era normal acordar, exausto e desfigurado, com uma pálpebra ou um lábio ou um lóbulo da orelha inchados ou mesmo com vários inchaços caso o meu pai ou a minha mãe não tivessem conseguido caçar o bárbaro)
com comichão do tipo quanto mais coça mais comichão tem, voltas e mais voltas, almofada sobre a cabeça, depois o lençol esticado a fazer de tenda, depois passo pelas brasas, depois abro a defesa, depois o zumbido fatal e zás, nas costas, o pior de todos os sítios..

Esta hoje estava com sorte! Apenas a ouvia. Quando comecei a coçar o braço e as costas da mão esquerda e antes que a coisa azedasse, desci para a sala e depois de ler um bocado e vim aqui sentar-me a escrever o relato da insónia.
E eis que, de repente, a oiço atrás de mim primeiro e num assomo de audácia passa mesmo à minha frente sobrevoando o teclado. Sigo-a com o olhar e
(suprema satisfação, esta pertence às estúpidas)
lá está ela, a meio da parede mesmo por baixo do quadro com o Rossio estilizado que é da autoria do meu compadre Rogério.
Já vou de jornal dobrado para lhe dar com as notícias todas.Pás! Uma só pancada em cheio. Esmagada! Vitória tardia. Mas vitória! Uma enorme contrariedade. O rasto de sangue na parede!
Do meu sangue, ainda por cima... .