Lá
estás tu a pensar na morte da bezerra
A
dona Vitória, velha professora da primária,
passava-me
a mão leve e trémula, pela cabeça,
num
gesto que nunca consegui descodificar se de censura,
se
de carinhoso impulso maternal.
As
minhas mãos seguravam o queixo
e
os cotovelos apoiados no tampo da carteira, sustinham a cabeça
enquanto
o olhar tinha passado para lá da vidraça da janela da sala
projetando-se
num horizonte translúcido, para lá do infinito.
Lá
estás tu a pensar na morte da bezerra…
Quem
pensava na morte da bezerra era o filho de Absalão,
um
hebreu qualquer, que depois de ter sacrificado todos os seus bezerros,
só
possuía uma bezerra que aliás dera de presente, um dia, ao filho.
O
rapaz, ao saber que o pai tencionava sacrificar o animal,
a
quem ganhara uma grande estima, quis opor-se,
mas
Absalão matou a bezerra na mesma.
Ele
então sentou-se, ao lado do altar, sem comer nem beber
e
assim ficou imóvel até morrer meses depois.
Lá
estás tu a pensar na morte da bezerra...
Ainda
hoje, parece-me ouvir a voz da velha senhora.
Sinto-lhe
a mão a passar, leve e trémula, sobre a cabeça
quando
apoio os cotovelos na mesa, para manter a cabeça direita
ponho
as mãos por debaixo do queixo
e
deixo o olhar vaguear pelo horizonte longe, longe, ao fim do infinito.
Não,
não estou a pensar na morte da bezerra
Nem
tão pouco no Absalão ou no seu desgostado filho
Se
fosse um equipamento elétrico qualquer
teria
decerto, uma luzinha vermelha num sítio, à vista.
Sempre
gostei de estar, apenas, parado por momentos
A
pensar que estou a pensar em nada.
Em
modo de espera fica tudo tão (mais) calmo…