30 de março de 2015

A MORTE DA BEZERRA

Lá estás tu a pensar na morte da bezerra

A dona Vitória, velha professora da primária,
passava-me a mão leve e trémula, pela cabeça,
num gesto que nunca consegui descodificar se de censura,
se de carinhoso impulso maternal.
As minhas mãos seguravam o queixo
e os cotovelos apoiados no tampo da carteira, sustinham a cabeça
enquanto o olhar tinha passado para lá da vidraça da janela da sala
projetando-se num horizonte translúcido, para lá do infinito.

Lá estás tu a pensar na morte da bezerra…

Quem pensava na morte da bezerra era o filho de Absalão,
um hebreu qualquer, que depois de ter sacrificado  todos os seus bezerros,
só possuía uma bezerra que aliás dera de presente, um dia, ao filho.
O rapaz, ao saber que o pai tencionava sacrificar o animal,
a quem ganhara uma grande estima, quis opor-se,
mas Absalão matou a bezerra na mesma.
Ele então sentou-se, ao lado do altar, sem comer nem beber
e assim ficou imóvel até morrer meses depois.

Lá estás tu a pensar na morte da bezerra...

Ainda hoje, parece-me ouvir a voz da velha senhora.
Sinto-lhe a mão a passar, leve e trémula, sobre a cabeça
quando apoio os cotovelos na mesa, para manter a cabeça direita
ponho as mãos por debaixo do queixo
e deixo o olhar vaguear pelo horizonte longe, longe, ao fim do infinito.
Não, não estou a pensar na morte da bezerra
Nem tão pouco no Absalão ou no seu desgostado filho
Se fosse um equipamento elétrico qualquer
teria decerto, uma luzinha vermelha num sítio, à vista.
Sempre gostei de estar, apenas, parado por momentos
A pensar que estou a pensar em nada.

Em modo de espera fica tudo tão (mais) calmo…