20 de março de 2015

TENHO SAUDADES TUAS, PAI

Tenho saudades tuas, pai.
Até dos tempos que só é possível recordar, anos depois,
porque alguém nos conta o que aconteceu,
Aparecias ao fundo do corredor, chegado do trabalho ao fim da tarde,
eu punha-me a gatinhar numa marcha rápida e atrapalhada,
acompanhada de sons guturais para sinalizar a minha alegria.
esperando que tu, enorme à minha frente, me tirasses do chão
depois de dares o beijo na mãe. "Então, rapaz, como foi o teu dia?"
Apertavas-me a cintura e agitavas-me entre as mãos.
Eu acho que te respondia com uma risada, meio nervosa,
não sei se satisfeito com a vida, se das cócegas.
Levavas-me ao colo, até ao quarto, mudavas de roupa,
comigo a observar-te, sentado na cama grande,
onde eu acordava, durante a noite, entre ti e a mãe,
nalguma noite que assim decidiam, sei lá eu porquê;
porque eu gostaria de dormir todas as noites
assim na cama grande, entre os dois.
Já de pijama, mais confortável, voltavas a pegar em mim
numa excursão até à sala, enquanto a mãe acabava de preparar o jantar,
e ficávamos na varanda, a vermos os carros na avenida.
sempre para cima e para baixo e o polícia sinaleiro, no cruzamento das escolas,
numa espécie de dança, em cima do estrado. de vez em quando, o som estridente do apito,
as luvas muito brancas e o capacete também branco, um maestro do transito.
Eu apontava para tudo em movimento, os carros maioritariamente pretos,
embora alguns de cores que não sabia e que tu quase me segredavas.
Este azul escuro; aquele ali grená; o táxi da capota verde claro.
De vez em quando agitava-me ao teu colo numa admiração
"Ohhhhhhhhhhhhhhhhh!", prolongava eu, de propósito, para que me prestasses atenção,
e lá vinha outra vez o carro grande e amarelo
com tantas pessoas, algumas até penduradas de fora
e com aquela vassoura no tejadilho que ao tocar nuns fios,
fazia rebentar, de vez em quando, umas estrelas azuladas como as do céu.
"O eléctrico...." acho que era isso que me dizias.
A senhora da leitaria, em frente, acenava da porta "diz adeus à dona Palmira!"
e eu dizia com a mão pequenina muito aberta e tu abanavas o meu braço.
Depois ouvíamos a voz da mãe: "Jantar na mesa!"
Às vezes adormecia à mesa enquanto tu e a mãe conversavam,
sobre coisas que eu não entendia.
A surpresa de acordar, mais tarde, na vossa cama?
Entre os dois? Como eu gostaria?
Não sabia! Se calhar tu e a mãe, também não sabiam...ainda não.