14 de maio de 2015

A ESPERA QUE A CRONICA CHEGUE


A casa está quieta há algum tempo.
A sala embrulhada no silêncio da noite,
Nas estantes, filas compactas de lombadas coloridas
parecem empurrar das prateleiras, molduras das fotos de família
e os objectos que complementam todo o acervo de memórias.
Ao longe, oiço a voz do Bryan Ferry, os sons dos Roxy Music.
‘Avalon’, a balada que evoca a lendária ilha dos tempos do rei Artur
e onde terá sido forjada Excalibur, a espada magnífica.
Recorda a locutora que foi o último álbum do grupo.
Maio de 1982? Ainda hoje gosto de os ouvir.
Vou atrás dela. Volto atrás no tempo.
Comprei a cassete em Sesimbra numa daquelas tendas de feira
o homem agarrado ao funil a soprar os nomes dos maiores êxitos,
em altos berros, as músicas a saltarem no meio do reboliço geral.
Cassete que hoje deve estar algures nalguma caixa de sapatos
talvez na garagem, juntamente com todas as outras peças de museu
juntamente com todas as outras coisas que depois de perderem utilidade
nunca perdem o sentido da sua existência.
Anos oitenta… foi um tempo em que conseguimos ser felizes.
Tínhamos trabalho. Tínhamos casa. Tínhamos filhos. Tínhamos futuro.
Éramos jovens e sorríamos à vida. Parecia tão mais fácil que hoje...
Andamos todos a precisar de uma ilha mágica e de uma espada mágica
que nos renove a esperança e o sentido de justiça.
Vou continuar, por mais uns momentos, neste cadeirão
nesta sala embrulhada no silêncio da noite,
entre estantes, prateleiras, livros, fotos e memórias
à espera que a crónica chegue.