15 de maio de 2015

CRONICA DE UM ESCÂNDALO ANUNCIADO


Começou há cerca de um mês. Por volta das cinco da tarde
Às quartas e sextas-feiras. Aparece do lado da Igreja.
Desce os degraus da escadaria, atravessa a rua num passo de soldado russo, 
cabelo ruivo pelo meio das costas, mais rebelde que nunca;
senta-se a uma mesa na esplanada, manda vir um sumo natural
nunca tira os óculos escuros, vai desfolhando sem interesse
as páginas duma revista cor-de-rosa carregada de fotos e de escândalos.
Impossível não se reparar nela. Espreita-se a novidade.
À porta da loja dos tapetes. Na ourivesaria. Na estação dos Correios. 
No armazém do chinês. Na venda de jornais. Na farmácia.
Vejo-a da janela do escritório que dá para o largo.
A esplanada da Casa Portuguesa é mesmo defronte.
Mais ou menos um quarto de hora depois, o homem do mercedes,
Passou a meia idade na careca, atarracado, ar de construtor civil
camisa branca colarinho aberto e gravata meio enrolada
com a ponta a fazer cócegas no estômago saliente.
Senta-se, espalhafatoso; lança-lhe um beijo com a palma da mão
Ela limita-se a sorrir em amarelo e ele fala alto para a altura que tem.
arrasta a cadeira para mais perto dela e fala, fala e fala,
e gesticula enquanto fala, as mãos sapudas agitam o ar
com o cachucho que brilha áureo e enorme no dedo grosso esquerdo .
Bebe o café, paga e vão os dois até ao mercedes.
Ele tenta o braço na cintura; ela apressa o passo, a evitar-lhe o desejo.
Entram e ficam mais uns minutos, os dois, em conversa antes de partirem.
Ontem, perguntei ao senhor Mateus (o dono da casa) o que era aquilo.
Ele riu-se e encolheu os ombros magros num trejeito inocente
Pai? Pois... até podia, não é? Mas não sei, acredite que não sei.
Brasileira e um mulherão. Isso eu sei. Pois, senhor Mateus. nota-se…
Hoje é sexta, o dia está em brasa e no largo o calor abafa.
Ela aparece. Mal cabe num vestidinho de alças azul forte,
demasiado acanhado mas com decote generoso,
destapa-lhe as pernas até às coxas, areja-lhe o peito até ao umbigo.
O careca hoje vai passar-se, penso eu. Fico à janela curioso.
Nisto toca o telemóvel e ela atende de imediato. Ouve atentamente.
De repente levanta-se e gesticula como se o outro a estivesse a ver.
Olha para um lado e para o outro. Os óculos escuros em pânico.
Só então reparo na mulher gorda que salta da mesa ao lado,
na direcção dela e prega-lhe uma bofetada tão potente que faz cambalear 
o vestidinho de alças tropeça no bordo do passeio e quase cai,
parte o salto à sandália, atropela a cadeira da última mesa
dás uns gritinhos alarmados quando surge o do mercedes.
Por momentos penso. Acabou-se. Foste apanhado pela mulher.
Resolvam o resto em casa. Engano-me! 
A ruiva volta atrás, com o sapato ainda inteiro, em riste.
A gritaria junta a curiosidade. À porta da loja dos tapetes. Na ourivesaria.
Na estação dos Correios. No armazém do chinês. Na venda de jornais.
Num ápice o mundo desagua na praça.
É então que a mulher gorda lança as mãos aos cabelos da ruiva
e zás, num supremo impulso, fica com a cabeleira ruiva nas mãos
ao mesmo tempo que a ruiva histérica agora sem extensões, 
grita falsetes e jura vinganças de dedo espetado.
O homem visivelmente atrapalhado é agora perseguido pela mulher
em direcção ao mercedes, que de cabeleira ruiva nas mãos grita-lhe:
“Nunca te perdoarei meu grande porco! Ao menos tivesses-me traído com uma mulher!
Com um mulherão, penso eu.
E não consigo parar de sorrir, enquanto fecho a janela.