20 de maio de 2015

O DIABO ESTEJA A REZAR


“O diabo esteja a rezar enquanto o Carlos não chegar.”

Nunca gostei da noite. 
Quando começa a escurecer, sinto-me mais só. Tenho arrepios,
Os prédios são paredes pardas, apenas, salteadas de pequenas luzes,
as árvores transformam-se em monstros de grandes cabeças, 
os carros não passam de pirilampos em corrida
e as pessoas deslizam como sombras. 
Até que deixa de haver pessoas na rua
e tudo fica deserto, num silêncio de cemitério.

Nunca gostei da noite. 
E tu que sabes disso nunca apareces para jantar.
às vezes nem para dormir
e eu fico aqui, à janela, nesta agonia, 
até ser dia.

“O diabo esteja a rezar enquanto o Carlos não chegar”

A minha mãe é que me ensinou. 
Punha-se à janela, eu muito pequenina, ao colo.
E dizia, e repetia e repetia e repetia, não Carlos 
mas Joaquim, que era o nome de meu pai. 
O resto, igual.
E, depois de algum tempo, o meu pai aparecia, a sorrir, 
a minha mãe corria a abrir-lhe a porta, 
a escancarar-lhe o coração, 
a beijar-lhe a boca e as faces de alegria.

Nunca gostei da noite. 
E tu que sabes disso, nunca apareces para jantar
e eu não posso correr a abrir-te a porta, 
nem escancarar-te o coração de alegria.
nem beijar-te de tanto te amar.

“O diabo esteja a rezar enquanto o Carlos não chegar”.

Nunca mais chegas. Melhor assim.
Ai de mim.
Desconsideraste o meu coração.
Desprezaste o meu amor.
Nunca quiseste o meu beijo.
Tarde demais.Escusas de aparecer outra vez .
Ai de mim.
Os prédios defronte, continuam lá, paredes coloridas
As árvores do jardim com as copas fartas de verde..
Os carros na rua, devagar, numa fila interminável. 
As pessoas nos passeios fazem-me companhia.
Ainda é dia.
E tu chegas sempre. Nunca demoras, 
Sempre a horas
Sorrindo, quando te abro a porta
Te escancare o coração numa alegria
te beijo sôfrega de amor. 
Uma orgia. 

Não é noite nem há dor
apenas este meu temor...

“O diabo esteja a rezar enquanto o João não chegar”.