20 de maio de 2015

SÓ NÃO ME LEVEM O CÃO


Primeiro, o governo roubou-me a pensão.
Depois carregou-me de impostos,
invadiu-me a carteira.
veio o banco e levou o resto, até o último tostão
Tenho ordem de despejo, sem água para a banheira
Sem gás para a chaleira, sem luz para a televisão
sem dinheiro para um desejo.
Agora invadem-me a casa; ainda tenho que pagar
as dívidas do que sobrar.

Levem tudo. Mas deixem-me em paz. De vez.
Levem os móveis, os candeeiros,
Levem a cama e o colchão.
Levem livros, dicionários
molduras e retratos, estantes e armários,
levem também os sanitários.
Levem o gira-discos e o rádio;
já agora a televisão.
Levem a mesa e as cadeiras, sofá.
pratos e travessas; os talheres.
Levem a gaiola e o periquito.
Levem a despensa e o frigorífico;
e já agora o fogão.
Levem a roupa que lhes servir, as toalhas do bidé
Levem lençóis, mantas, cobertores
arranquem a alcatifa mais a porta de entrada
que não é precisa para nada.
E o banco em que me sento a ver a devastação
Levem tudo que quiserem. Já me levaram a alma.
Só não me levem o cão!
Está velho como eu. Nem sei como ainda não morreu.
Cheira mal da boca e tem o pelo a cair.
Coxeia da pata esquerda e passa o tempo a ganir.
Mas é melhor que todos vocês.
Fosse ele novo e eu também
aqui não entrava ninguém
Muito menos ladrão.
Só não me levem o cão…

Ou levem–me a mim também
Antes que mate alguém…