18 de maio de 2015

DINHEIRO NÃO DÁ FELICIDADE MAS ACALMA OS NERVOS


"A minha Paulinha, coitadinha, é muito dada a depressões".
A senhora mastigava o palito da torrada e bebericava o chá
enquanto a amiga lutava com o chantilly do duchesse a escorrer baton.
Apertou o antebraço da amiga do duchesse a quem tratava por ‘minha flor’.
‘A minha flor conhece os Queirós Mendes?’ A flor abanou a corola. Que não.
‘Pois minha querida, família muito boa sabe, prédios por todo o lado, 
propriedades no Ribatejo, vivenda em Alcabideche que só queria que visse. 
Um mundo minha flor, um mundo...mas dizia eu, 
a Paulinha e o Tomás namoravam há dois anos, 
e não é que o rapaz, um doidivanas já se vê, 
encanta-se por uma tal Jessica, que me perdoe Deus Nosso Senhor,
mas parece que se despia num bar, uma libertina qualquer
que ele encontrou na noite, e pronto, a minha Paulinha coitadinha
que é muito nervosa, nem lhe digo nada, fechou-se em casa,
mais fechada que freira de clausura não comia nada, não sorria,
todo o dia na cama, só falava em morrer..também coisa assim, já se vê. 
Trocada por uma pu.., Deus me perdoe.”
A corola assentia com ar escandalizado enquanto espetava o duchesse.
“Fomos com ela ao professor Névoas, conhece minha flor?
Grande neurologista. Gastámos rios de dinheiro… e nada.
Cada vez pior. Um desespero. Chegava da consulta e não queria voltar.
Eu pedi tanto a Nossa Senhora do Rosário de quem sou devota,
Velas em todos os altares, até chegámos a pensar, a minha irmã e eu,
num senhor padre que faz exorcismos mas o meu marido passou-se, 
Que a menina não estava nada disso que nós estávamos a dizer,
que estava só triste e nervosa. Julguei que ele até enfartasse, sei lá.
Então a Paulinha disse que o que lhe estava a apetecer, era um cruzeiro,
Eu detesto barcos mas o que é que não fazemos pelos filhos. 
A flor assentiu curiosa e o garfo cravou o último bocado de duchesse.
e a outra fazia uma pausa com mais uns golitos de chá.
Ficámos todos logo em cuidados mas o que é que havíamos de fazer…
acabámos por a convencer a ir num cruzeiro às ilhas gregas, seis dias,
Ainda quisemos ir com ela mas ela que não, que não. Lá foi sozinha. 
A outra a abanar a corola; "como é que a Paulinha não ficaria curada".
a limpar-se ao triângulo de papel branco, vermelho de impressões labiais.
"Lá voltou, tudo muito bonito, tudo muito bom, comprou imensas coisas,
roupa, coisas para mim e para o pai, coitadinha, um bocadinho melhor..
Apaixonou-se pelo 'personal trainer' lá do ginásio do barco, veja lá.
Mas, não é que o rapaz era casado e a mulher ia com ele. Um azar! 
A outra tapou a boca com os anéis que tinha na vez dos dedos.
sem poder conter um gritinho: “Ah. Credo..mas, e ficou melhor?."
“Infelizmente não, minha flor! Chegou, começou outra vez a definhar.
Saiu com umas amigas, cinema, compras, jantares, chegava às tantas,.."
A flor mastigava o duchesse na expectativa e a amiga em tom de censura.
"Voltar ao médico é que nunca mais, veja lá a minha flor.. 
apetecia-lhe era viajar. Nova Iorque, Paris, Madrid, duas vezes! 
Só compras…passado umas semanas voltava ao mesmo…fim de ano na Madeira
E a corola agitava-se: “E nada? Sempre os nervos?” 
“Pois. Sempre muito nervosa, muito nervosa e tristinha, coitadinha.,
Demos-lhe um carro, quando fez anos, dos que estacionam sozinhos e tudo,”
A corola num aparte: "O que nós não fazemos pelos nossos filhos.."
A outra calorosa. “Verdade! Mas, Graças a Nossa Senhor do Rosário!
E olhou para o tecto da pastelaria ao mesmo tempo que juntava as mãos. 
No mês passado, apeteceu-lhe ir até Londres. Foi assim de repente.
quem está lá é a Teresinha, a minha flor conhece, é a enfermeira
A flor assentiu com a corola risonha por finalmente conhecer alguém.
“Muito boa menina. Mas teve de emigrar porque precisava de trabalho.”
"Pois foi, coitadinha: Olhe que aquilo foi deprimente.
Todos as chorarem, ela, os pais e o namorado, a despedirem-se na Portela
aqueles pais que tanto sacrificio fizeram para ela tirar o curso. 
E a corola numa sombra "O que nós não fazemos pelos nossos filhos..":
A mãe da Paulinha a fazer sinal ao empregado para trazer a conta.
“Pois minha flor, vai a Londres, e não é que encontra o Tomás, em Picadilly?
A flor desabrochou no espanto enquanto a outra rematava em triunfo.
“Houve aqui dedo de Nossa Senhora do Rosário, só pode.
Foi engraçadíssimo! Olhe, ainda lá estão os dois, muito felizes.
O Tomás é um optimo rapaz, O pai dele é que paga tudo, já se vê.
Nós também depositamos todos os meses mil euros
Para os alfinetes da minha Paulinha, já se vê.
A flor ia perguntar pela tal que se despia no bar. Não precisou.
Ah! A tal Jessica? Uma maluca, claro. Depois de lhe chupar a carteira…
fartou-se…desapareceu com um turco, segundo parece.
Deixou o rapaz com uma depressão que só lhe digo. Por isso Londres.
A flor e a amiga despediam-se já na porta da pastelaria.
“Minha flor, foi um gosto imenso. Eu venho sempre aqui às quartas, 
antes de ir ao ginásio…hoje, vou ao Corte Inglês. Umas compritas.
Não sei porquê ultimamente tenho andado tão nervosa!
A flor ficou no passeio a receber dois beijinhos na corola, 
a pensar que ter dinheiro pode não dar felicidade 
mas, pelo menos, parece que acalma os nervos.